O estudo sobre qualidade no cuidado de saúde na Australia
Objetivo: Estimar os danos a pacientes (e suas consequências diretas) causados pelo cuidado de saúde em hospitais australianos.
Métodos: Realizamos, em duas etapas, a revisão de 14.179 internações ocorridas em 1992 em 28 hospitais de dois estados (New South Wales e South Australia).
Dois enfermeiros rastrearam os prontuários médicos dessas internações em busca de um ou mais dos 18 critérios explícitos, que indicavam a possibilidade de um dano causado pelo cuidado de saúde.
- Os prontuários cujo rastreamento foi positivo foram, então, submetidos à revisão e documentação independente e mais detalhada por dois ou, quando havia discordância, três médicos, que decidiram se havia ocorrido um evento adverso.
Um evento adverso (EA) foi definido como dano ou complicação não intencional que resulte em incapacidade, morte ou prolongamento da internação, sendo causado pela gestão do cuidado de saúde.
Principais medidas de desfecho:
- Adequação do registro no prontuário médico e confiabilidade do método de revisão de prontuários;
- Proporção de internações associadas a EAs;
- Categorias clínicas de EAs;
- Características de pacientes com EAs;
- Dias adicionais de internação atribuíveis a EAs;<br /><br />- Incapacidade atribuível a EAs;
- Evitabilidade dos EAs.
Resultados: Rastreamento por enfermeiros: Dentre os 14.179 prontuários médicos, 6.200 (43,7%) foram positivos para um ou mais dos 18 critérios explícitos. Destes, 13 foram preditores estatisticamente significativos de EAs (P < 0,01). A proporção de internações associadas a EAs foi mais alta em pacientes com prontuários médicos completos. O processo de rastreamento pelos enfermeiros teve sensibilidade e especificidade de 97,6% e 67,3%, respectivamente. A concordância do rastreamento pelos dois enfermeiros foi de 84% (k, 0,67).
Revisão por médicos: Em 2.353 dos 6.200 prontuários médicos, foi confirmado um EA. No total, foi considerado que 73% dos prontuários médicos tinham qualidade suficiente para a avaliação de todos os aspectos da revisão por médicos, e os demais tinham qualidade suficiente para determinar se um EA havia ocorrido. Houve concordância de 80% para a presença de um EA (k, 0,55), de 58% para a evitabilidade do EA (k, 0,33) e de 87% para a ocorrência de incapacidade ou prolongamento da internação devido ao EA (k, 0,49).
Achados principais:
- 16,6% (intervalo de confiança [IC] de 95%, 15,2% a 17,9%) das internações estiveram associadas a um EA. Em 8,3% das internações, o EA foi considerado altamente evitável.
- 49% dos EAs ocorreram antes da internação amostrada (a internação-índice) e foram responsáveis por toda essa internação ou parte dela; 51% dos EAs ocorreram durante a internação-índice, mas 12% não foram detectados até depois da internação-índice.
- 46,6% dos EAs causaram incapacidade mínima. Em 77,1% dos EAs (IC 95%, 75,2% a 79,0%) a incapacidade foi resolvida em até 12 meses.
- 13,7% dos EAs (IC 95%, 12,2% a 15,2%) resultaram em incapacidade permanente (exceto morte).
- 4,9% dos EAs (IC 95%, 3,8% a 6,0%) resultaram em morte.
- A proporção de internações associadas à incapacidade permanente ou morte devido a EAs aumentou com a idade; entretanto, a incapacidade temporária e a evitabilidade não estiveram associadas à idade nem a outras variáveis ligadas ao paciente.
- Uma proporção significativamente menor de EAs foi notificada nas especialidades de obstetrícia (7,2%) e cirurgia otorrinolaringológica (7,9%) em comparação com outras especialidades, enquanto uma maior proporção esteve associada a transtornos digestivos (23,2%), músculo-esqueléticos (21,9%) e circulatórios (20,2%).
- Os EAs foram responsáveis, em média, por 7,1 dias adicionais de internação.
- 51% dos EAs foram considerados altamente evitáveis.
- A ocorrência de incapacidade e a evitabilidade variaram segundo a especialidade, a categoria diagnóstica e a localidade onde ocorreu o EA.
- Os EAs resultantes de problemas na "tomada de decisões" geralmente estiveram associados a uma maior evitabilidade, incapacidade permanente e morte.
- Os erros de omissão (52% dos EAs) foram quase duas vezes mais comuns que os erros de comissão (27% dos EAs).
Conclusões: A revisão retrospectiva de prontuários médicos hospitalares foi um método confiável para estimar os danos aos pacientes causados pelo cuidado de saúde. A extrapolação dos dados sobre a proporção de internações e os dias adicionais de internação associados a EAs em todos os hospitais australianos em 1992 indicou que cerca de 470.000 internações (IC 95%, 430.000 a 510.000) e 3,3 milhões de leitos-dia (IC 95%, 3,0 milhões a 3,6 milhões) podem ser atribuídos a EAs. Essas estimativas nacionais fornecem dados empíricos para novos estudos sobre a qualidade do cuidado em hospitais australianos. Nosso estudo tem grandes implicações no que diz respeito aos resultados adversos e evitáveis do cuidado e ao uso de recursos de saúde.
Objective: To estimate patient injury (and its direct consequences) caused by health care in Australian hospitals.
Methods: 14 179 admissions to 28 hospitals in two States (New South Wales and South Australia) in 1992 were reviewed in two stages.
- The medical records for these admissions were screened by registered nurses (RNs) for one or more of 18 explicit criteria indicating the possibility of an injury caused by health care.<br
- Those records screening positive were subject to further detailed independent review and documentation by two or, when there was disagreement, three medical officers (MOs) to decide whether an adverse event had occurred. An adverse event (AE) was defined as an unintended injury or complication which results in disability, death or prolonged hospital stay and is caused by health care management.
Main outcome measures:
- Adequacy of the medical record and reliability of the method of medical record review; - Proportion of admissions associated with AEs; - Clinical categories of AEs; - Characteristics of patients with AEs; - Extra bed-days attributable to AEs; - Disability attributable to AEs; and - Preventability of AEs.
Results: Screening by RNs: 6200 of the 14 179 medical records (43.7%) were positive for one or more of the 18 explicit criteria, of which 13 were statistically significant predictor variables for AEs (P < 0.01). The proportion of admissions associated with AEs was highest in those with complete medical records. The sensitivity and specificity of the RN screening process were 97.6% and 67.3%, respectively. Agreement between duplicate screening by RNs was 84% (k, 0.67).
Review by MOs: In 2353 of the 6200 medical records an AE was confirmed. Overall, 73% of the medical records were judged to be of sufficient quality to complete all aspects of the MO review, and the remainder were adequate to determine whether an AE had occurred. There was 80% agreement on the presence of an AE (k, 0.55); 58% agreement for preventability of an AE (k, 0.33); and 87% agreement for disability or prolonged hospital stay resulting from an AE (k, 0.49).
Main findings: - 16.6% (95% confidence interval [CI], 15.2% - 17.9%) of admissions were associated with an AE, and for 8.3% of admissions the AEs were judged to have high preventability. - 49% of the AEs occurred before, and were responsible for all or part of, the sampled admission (the index admission); 51% of AEs occurred during the index admission, but 12% were not detected until after the index admission.- 46.6% of AEs caused minimal disability; in 77.1% of AEs (95% CI, 75.2% - 79.0%) the disability had resolved within 12 months. -13.7% of AEs (95% CI, 12.2% - 15.2%) resulted in permanent disability (excluding death); and - 4.9% of AEs (95% CI, 3.8% - 6.0%) resulted in death.- The proportion of admissions associated with permanent disability or death due to AEs increased with age; however, temporary disability and preventability were not associated with age or other patient variables.- A significantly lower proportion of the AEs were reported for obstetrics (7.2%) and ear, nose and throat surgery (7.9%) than for other specialties, while a higher proportion were associated with digestive (23.2%), musculoskeletal (21.9%) and circulatory (20.2%) disorders.- AEs accounted for an average of 7.1 additional days in hospital.- 51% of AEs were judged to have high preventability.- Disability and preventability varied between specialties, between diagnostic categories and according to the location in which the AE occurred.- AEs resulting from problems with "decision-making" were generally associated with increased preventability, permanent disability and death. - Errors of omission (52% of AEs) were almost twice as common as errors of commission (27% of AEs).
Conclusions: A retrospective review of hospital medical records was a reliable method of estimating patient injury caused by health care. Extrapolating the data on the proportion of admissions and the additional bed-days associated with AEs to all hospitals in Australia in 1992 indicated that about 470 000 admissions (95% CI, 430 000 - 510 000) and 3.3 million bed-days (95% CI, 3.0 million - 3.6 million) were attributable to AEs. These national estimates provide empirical data for further studies on quality of care in Australian hospitals. The implications of our study in terms of preventable adverse outcomes for patients and the use of health resources are substantial.