Atualização em Cultura de Segurança

FRANKEL, A. ; LEONARD, M.
Título original:
Update on Safety Culture
Resumo:

Perspectiva

Um cuidado de saúde seguro e confiável requer uma cultura de segurança: um ambiente colaborativo no qual profissionais qualificados respeitam-se mutuamente; os líderes promovem o trabalho em equipe efetivo e a segurança psicológica; as equipes aprendem com os erros e com os near misses; os profissionais estão cientes das limitações inerentes ao desenvolvimento humano em sistemas complexos (reconhecimento do estresse); e existe um processo visível de aprendizagem e de melhoria baseado em debriefings (reuniões pós-realização de uma atividade).(1)

A coleta de dados sobre cultura de segurança nos últimos dez anos nos ensinou que cultura é uma particularidade local - determinada no âmbito da unidade - e que a gama de percepções sobre o tema é bastante variada. Uma enfermaria pode ter resultados excelentes, embora esteja situada ao lado de um ambulatório cujos resultados são péssimos. A boa medição da cultura de segurança no âmbito da unidade, com altas taxas de resposta (mais de 60% dos profissionais), fornece informações valiosas sobre a real experiência de trabalho de uma secretária, de um técnico, de um enfermeiro, de um médico ou de algum outro prestador de cuidado na unidade onde há uma certa cultura. A força dessas informações reside no fato de serem pessoais ("você disse isto") e frequentemente divergentes ("os médicos acham que está tudo bem, mas ninguém mais pensa assim"). Além disso, temos a possibilidade de ligar os dados a ações e informações específicas.

Evidências recentes mostram que aproximadamente um em cada três pacientes internados sofre um evento adverso, sendo que em 6% dos casos o evento é grave o suficiente para prolongar a internação do paciente ou para enviá-lo para casa com alguma incapacidade permanente ou temporária.(2) A tecnologia, por si só, não é capaz de resolver o problema do dano no cuidado de saúde. É necessária uma abordagem sociotécnica centrada em profissionais de saúde qualificados que trabalhem de forma colaborativa num ambiente técnico cada vez mais complexo, como discutido em recentes relatórios do Institute of Medicine.(3,4) É aí que a cultura de segurança se mostra fundamentalmente importante. Devemos pensar na cultura de segurança como a cola social que mantém unido todo o processo de cuidado.

A evidência sobre cultura de segurança e sobre indicadores clínicos está crescendo e mostra que as percepções sobre o trabalho em equipe, a segurança e a liderança correlacionam-se com a qualidade e a segurança do cuidado. Por exemplo, o programa de treinamento em trabalho em equipe do Veterans Health Administration reduziu a mortalidade cirúrgica em 18%, melhorou os escores de cultura de segurança, resultou em melhores indicadores de processos operacionais e clínicos e reduziu significativamente a ocorrência de dano.(5) No programa Michigan, os resultados de cirurgias bariátricas foram melhores nos centros cirúrgicos nos quais os enfermeiros classificaram a segurança como "excelente".(6) Hansen e colaboradores mostraram correlações entre melhores indicadores do clima de segurança e menores taxas de reinternação por doença arterial coronariana e insuficiência cardíaca congestiva.(7)

Um exemplo particularmente interessante da influência da cultura veio do programa colaborativo de unidades de terapia intensiva (UTIs) de Rhode Island, que trabalharam durante vários anos na prevenção da infecção relacionada a cateter central e da pneumonia associada à ventilação mecânica. No quinto ano do programa colaborativo, as equipes das UTIs tiveram a oportunidade de refletir sobre os resultados da pesquisa, examinando suas forças e fraquezas e avaliando as diferentes perspectivas segundo a disciplina. Foram identificadas, então, áreas simples nas quais existia a oportunidade de melhorias e de comprometimento com determinadas ações. As unidades que o fizeram apresentaram melhorias significativas na cultura de segurança e taxas mais baixas de infecções.(8) Nós temos dados não publicados bastante reveladores, extraídos de grandes sistemas de saúde integrados. Em um certo sistema, eventos que nunca devem ocorrer [never events] ocorreram uma vez a cada 38 meses quando mais de 60% dos profissionais cirúrgicos consideravam que a segurança era boa ou excelente. Tais eventos ocorreram a cada 12 meses nas áreas cirúrgicas em que esse valor era abaixo de 60%. A lição que extraímos disso é que a alta confiabilidade e uma excelente cultura não eliminam o risco de eventos, mas uma melhor cultura pode reduzir drasticamente sua ocorrência.

O trabalho para melhorar a cultura de segurança é mais efetivo quando realizado dentro de um quadro que envolva liderança, cultura de segurança, trabalho em equipe efetivo, processos de cuidado confiáveis, aprendizagem sistemática e melhorias mensuráveis. Tal quadro promove um trabalho intencional contínuo, em vez de projetos isolados. Existem áreas específicas da cultura de segurança que servem como importantes pontos de apoio para a melhoria.

As percepções dos chefes e líderes de unidades clínicas são um reflexo valioso da confiança dos profissionais da linha de frente no fato de que suas preocupações serão ouvidas e solucionadas. As organizações de alto desempenho abordam essas questões de forma eficaz e consistente. A criação de lideranças clínicas é extremamente necessária no cuidado de saúde, uma vez que essas habilidades não são ensinadas nos sistemas educativos tradicionais. Líderes eficazes estimulam altos níveis de colaboração entre membros de equipes e promovem de forma incessante a segurança psicológica - um ambiente no qual qualquer pessoa pode levantar a mão e expressar uma preocupação sobre um paciente. A segurança psicológica tem um enorme impacto sobre o desempenho das equipes e sobre as suas experiências com o cuidado de saúde.(9) A capacidade de aprender com os erros é fundamental. Se não existir um sistema claro de responsabilização - que equilibre de forma efetiva a necessidade de profissionalismo individual com a não culpabilização dos indivíduos por falhas do sistema que estão além do seu controle -, o aprendizado não ocorre e as mesmas falhas são repetidas, causando dano tanto aos pacientes como aos profissionais de saúde que lidam diretamente com eles.(10)

O trabalho em equipe efetivo é necessário para a segurança do cuidado. Os briefings e debriefings (reuniões pré e pós-realização de uma atividade) e outras ferramentas de trabalho em equipe ajudam a estruturar a comunicação e aumentam a previsibilidade. O uso consistente dessas ferramentas é uma excelente maneira de incorporar os comportamentos desejados e melhorar a cultura de segurança.(11) As lacunas no reconhecimento do estresse - o impacto do cansaço, do estresse e da alta carga de trabalho sobre o desempenho humano - podem ser abordadas de forma efetiva educando-se os profissionais de saúde que lidam diretamente com o paciente sobre as formas como o trabalho em equipe consegue contrabalançar esses elementos geradores de estresse.(12,13)

A última área a ser trabalhada é o desenvolvimento de capacidade para melhoria no âmbito da unidade. Os profissionais de saúde que lidam diretamente com o paciente enfrentam diariamente obstáculos e defeitos frustrantes que interferem na prestação do cuidado ideal. A existência de um processo claro e confiável para identificar os defeitos e demonstrar que alguém tem domínio sobre o problema e o está resolvendo cria confiança e promove rápidas melhorias no âmbito da unidade. Todos os componentes citados acima foram integrados ao modelo TEM (Team-based Engagement Model) que desenvolvemos junto à Mayo Clinic e que está sendo adotado por toda a organização.

Unidades clínicas com altos níveis de cultura de segurança prestam um melhor cuidado, pois conseguem sempre fazer o básico, como virar os pacientes a cada 60 minutos para prevenir úlceras por pressão, usar uma lista de verificação para cateteres centrais ou higienizar as mãos com frequência. Essas unidades também criam uma cultura de responsabilização por meio de um acordo claro sobre os comportamentos e as normas culturais que agregam valor para os pacientes e para os prestadores de cuidado. O foco em umas poucas noções específicas sobre a cultura de segurança no âmbito da unidade clínica gera resultados valiosos e é um componente necessário para a prestação de um cuidado de saúde seguro e confiável.

Allan Frankel, MD Codiretor Médico, Pascal Metrics Inc.

Membro do Corpo Docente de Segurança do Paciente, Institute for Healthcare Improvement

Michael Leonard, MD

Codiretor Médico, Pascal Metrics Inc.

Professor Adjunto, Duke University

Referências

1. Leonard M, Frankel A, Federico F, Frush K, Haraden C, eds. The Essential Guide for Patient Safety Officers, 2a edição. Oakbrook Terrace, IL: Joint Commission Resources, Institute for Healthcare Improvement; 2013. ISBN: 9781599407036.

2. Classen DC, Resar R, Griffin F, et al. 'Global trigger tool' shows that adverse events in hospitals may be ten times greater than previously measured. Health Aff (Millwood). 2011;30:581-589. [PubMed:http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21471476]

3. Committee on Patient Safety and Health Information Technology, Board on Health Care Services, Institute of Medicine. Health IT and Patient Safety: Building Safer Systems for Better Care. Washington, DC: National Academies Press; 2011. ISBN: 9780309221122. [Disponível em: http://www.iom.edu/Reports/2011/Health-IT-and-Patient-Safety-Building-Sa...

4. Best Care at Lower Cost: The Path to Continuously Learning Health Care in America. Institute of Medicine. 6 de setembro de 2012. [Disponível em: http://www.iom.edu/Reports/2012/Best-Care-at-Lower-Cost-The-Path-to-Cont...

5. Neily J, Mills PD, Young-Xu Y, et al. Association between implementation of a medical team training program and surgical mortality. JAMA. 2010;304:1693-1700. [PubMed: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/20959579]

6. Birkmeyer NJ, Finks JF, Greenberg CK, et al. Safety culture and complications after bariatric surgery. Ann Surg. 2013;257:260-265. [PubMed: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/23047607]

7. Hansen LO, Williams MV, Singer SJ. Perceptions of hospital safety climate and incidence of readmission. Health Serv Res 2011;46:596-616. [PubMed: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21105868]

8. Vigorito MC, McNicoll L, Adams L, Sexton B. Improving safety culture results in Rhode Island ICUs: lessons learned from the development of action-oriented plans. Jt Comm J Qual Patient Saf. 2011;37:509-514. [PubMed:http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/22132663]

9. Edmondson AC. Managing the risk of learning: psychological safety in work teams. In: West MA, Tjosvold D, Smith KG, eds. International Handbook of Organizational Teamwork and Cooperative Working. Inglaterra, Reino Unido: John Wiley & Sons Ltd; 2003:255-276. ISBN: 9780471485391.

10. Leonard M, Frankel A. How Can Leaders Influence a Safety Culture? The Health Foundation; maio de 2012. [Disponível em: http://www.health.org.uk/publications/how-can-leaders-influence-a-safety...

11. Edmondson AC. Teaming: How Organizations Learn, Innovate, and Compete in the Knowledge Economy. San Francisco, CA: Jossey-Bass; 2012. ISBN: 9780787970932.

12. Salvendy G, ed. Handbook of Human Factors and Ergonomics, 4a Edição. Inglaterra, Reino Unido; John Wiley and Sons Ltd: 2012. ISBN: 9780470528389.

13. Dawson D, Reid K. Fatigue, alcohol and performance impairment. Nature. 1997;388:235. [PubMed:http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/9230429]

Fonte:
Agency for Healthcare Research and Quality (US) ; 2013.
DECS:
Alfabetização em Saúde/classificação, Segurança do Paciente/normas, Pessoal de Saúde/classificação
Nota Geral:

Update on Safety Culture

Em Perspectives on Safety. July/August 2013 | Perspective

Copyright © 2013 Agency for Healthcare Research and Quality - AHRQ All rights reserved

Este texto foi originalmente escrito em inglês. A AHRQ permitiu a tradução deste artigo e cedeu os direitos de publicação ao Proqualis/Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde/Fiocruz, único responsável pela edição em português. A AHRQ não se responsabiliza pela acurácia das informações e por perdas ou danos decorrentes da utilização desta versão.

Atualização em Cultura de Segurança

© Proqualis/Instituto de Comunicação Científica e Tecnológica em Saúde/Fiocruz, 2013

Creative Commons Atribuição-NãoComercial 3.0 Não Adaptada