Educação das Profissões de Saúde: Uma Ponte para a Qualidade (Sumário Executivo)

Título original:
Health Professions Education: A Bridge to Quality
Resumo:

RESUMO

O relatório de 2001 do Institute of Medicine, Crossing the Quality Chasm: A New Health System for the 21st Century, recomendou a realização de uma cúpula interdisciplinar para desenvolver os próximos passos para a reforma da educação das profissões de saúde, a fim de melhorar a qualidade e a segurança do cuidado prestado aos pacientes. Em junho de 2002, o IOM convocou esta cúpula, que incluiu 150 participantes de diferentes disciplinas e profissões. Este relatório de seguimento se concentra na integração de um conjunto central de competências – cuidado centrado no paciente, equipes interdisciplinares, prática baseada em evidências, melhoria da qualidade e informática – na educação das profissões de saúde.

As recomendações do relatório incluem uma série de abordagens relacionadas aos processos de supervisão, ao ambiente de educação, à pesquisa, aos relatórios públicos e à liderança. As recomendações direcionadas às organizações supervisoras incluem a integração de competências essenciais para a acreditação e processos de credenciamento em todas as profissões. O objetivo é estabelecer um sistema educacional baseado em resultados que prepare melhor os profissionais clínicos para atender tanto às necessidades dos pacientes quanto aos requisitos de um sistema de saúde em mutação.


 

A educação das profissões de saúde precisa de uma reforma aprofundada. A educação clínica simplesmente não acompanhou ou não foi suficientemente responsiva às mudanças na demografia e nos desejos dos pacientes, às novas expectativas existentes nos sistemas de saúde, à evolução nos requisitos da prática clínica e nos regimes de pessoal, às novas informações, a um foco na melhoria da qualidade ou às novas tecnologias (Institute of Medicine, 2001):

  • Os profissionais da saúde não estão adequadamente preparados – seja em espaços acadêmicos ou de educação continuada – para lidar com as mudanças na população de pacientes do país (Cantillon e Jones, 1999; Council on Graduate Medical Education, 1999; Davis et al., 1999; Grantmakers in Health, 2001; Halpern et al., 2001; Health Resources and Services Administration, 1999; Pew Health Professions Commission, 1995). Os pacientes nos EUA estão se tornando mais diversificados, estão envelhecendo e são cada vez mais afetados por uma ou mais doenças crônicas, estando ao mesmo tempo mais propensos a buscar informações de saúde por conta própria (Calabretta, 2002; Frosch e Kaplan, 1999; Gerteis et al., 1993; Mansell et al., 2000; Mazur e Hickam, 1997; Wu e Green, 2000). Este cenário de mudança requer que os profissionais clínicos estejam habilitados a responder às diferentes expectativas e valores dos pacientes, sejam capazes de gerir os pacientes de forma contínua, prestem e coordenem o cuidado entre diferentes equipes, ambientes e prazos e apoiem os esforços dos pacientes para mudar o seu comportamento e estilo de vida – e a oferta de formação e treinamento nessas competências é escassa nos atuais ambientes de educação clínica (Calabretta, 2002).

  • Uma vez atuando na prática, os profissionais da saúde precisam trabalhar em equipes interdisciplinares, muitas vezes para apoiar pacientes com condições crônicas, mas não são educados conjuntamente nem recebem treinamento em habilidades para o trabalho em equipe.

  • Esses mesmos profissionais são confrontados com uma base de evidências em rápida expansão – que, idealmente, deveria fundamentar as decisões relacionadas ao cuidado de saúde –, mas não aprendem consistentemente a pesquisar e avaliar essa base de evidências e aplicá-la na prática (American Association of Medical Colleges, 1999; Detmer, 1997; Green, 2000; Shell, 2001).

  • Embora esteja claro que existe uma grande discrepância entre o que sabemos ser um cuidado de boa qualidade e o cuidado que é realmente prestado, estudantes e profissionais de saúde têm poucas oportunidades para participar de cursos e outras intervenções educacionais que os ajudem a analisar as causas raízes dos erros e outros problemas de qualidade e a conceber correções para o sistema como um todo (Baker et al., 1998; Buerhaus e Norman, 2001).

  • Embora os profissionais clínicos aprendam a utilizar uma série de tecnologias de ponta relacionadas com a prestação do cuidado, muitas vezes não contam com uma base em informática básica (Gorman et al., 2000; Hovenga, 2000). A formação nesta área lhes permitiria, por exemplo, ter acesso mais fácil à literatura mais recente sobre uma doença complexa sofrida por um de seus pacientes ou utilizar sistemas de prescrição computadorizada que assinalam automaticamente as contraindicações e os erros de medicação.

Embora existam focos de inovação notáveis – em que os profissionais recebem formação para trabalhar nos sistemas de saúde do século 21 –, estes são, em grande parte, exceções à regra.

 

Construir uma ponte para atravessar o abismo da qualidade

Vários estudos recentes levaram à conclusão de que “o peso dos danos gerados pelo impacto coletivo de todos os problemas de qualidade no cuidado de saúde é estarrecedor" (Chassin et al., 1998: 1005). Os erros no cuidado de saúde fazem com que dezenas de milhares de americanos morram a cada ano, e que centenas de milhares sofram ou adoeçam como resultado de lesões não fatais. Outros estudos documentaram a sobreutilização, subutilização e o uso equivocado dos serviços (Chassin et al., 1998; Institute of Medicine, 2000; President’s Advisory Commission on Consumer Protection and Quality in the Health Care Industry, 1998a; Schuster et al., 1998).

A publicação Crossing the Quality Chasm: A New Health System for the 21st Century (Institute of Medicine, 2001) enfatiza que os problemas de segurança e qualidade existem em grande parte em razão de problemas sistêmicos, e que a intimidação dos profissionais de saúde para que se esforcem mais não é a resposta para resolver as falhas sistêmicas e os desafios futuros. Os problemas de qualidade ocorrem nas mãos de profissionais de saúde altamente dedicados, que procuram fazer um bom trabalho, mas que trabalham dentro de um sistema que não os prepara adequadamente nem os apoia quando já estão atuando para alcançarem os melhores resultados para os seus pacientes.

O relatório Quality Chasm conclui que reformas periféricas não resolverão o problema da qualidade e estabelece uma agenda ambiciosa para a reformulação de um sistema de saúde fracassado, a fim de alcançar seis objetivos nacionais de qualidade: segurança, efetividade, foco no paciente, cuidado prestado em tempo hábil, eficiência e equidade. A implementação desta agenda tem implicações importantes para os profissionais de saúde atuais e futuros. O relatório Quality Chasm apresenta orientações iniciais sobre os tipos de competências de que os profissionais clínicos precisariam para realizar essa agenda e enfatiza a necessidade de estudos mais aprofundados para entender melhor como a força de trabalho deve ser educada para a prática, como deve ser empregada no local de trabalho e como deve ser responsabilizada.

 

Cúpula de educação para profissões da saúde

O relatório Quality Chasm recomenda a realização de uma cúpula multidisciplinar de líderes das profissões de saúde para discutir e desenvolver estratégias para reestruturar a educação clínica ao longo de todo o contínuo educacional. O Comitê para a Cúpula de Educação para Profissões de Saúde foi convocado para planejar e realizar esta cúpula – que ocorreu em 17 e 18 de junho de 2002 – e para produzir este relatório de seguimento.

O comitê organizou uma cúpula multidisciplinar que envolveu educadores e estudantes de medicina, enfermagem, farmácia e outras profissões de saúde; representantes de profissionais de saúde e da indústria; reguladores e representantes de organizações certificadoras; provedores; consumidores; inovadores em ambientes educacionais e práticos; e decisores políticos influentes. Os participantes foram convidados a desenvolver estratégias e ações para abordar as cinco áreas recomendadas pelo comitê (descritas abaixo) para a educação das profissões de saúde: cuidado centrado no paciente, equipes interdisciplinares, prática baseada em evidências, melhoria da qualidade e informática.

Os participantes da cúpula trabalharam em pequenos grupos interdisciplinares usando o método Hoshin (Counsell et al., 1999; Hyde e Vermillion, 1996; Platt e Laird, 1995), um processo estruturado de facilitação para reunir as opiniões dos especialistas e identificar, priorizar e implementar estratégias. As ideias geradas na cúpula estão incluídas neste relatório no Anexo B. O comitê conduziu uma revisão da literatura relacionada às competências centrais e considerou várias das recomendações. O comitê também revisou as mais de 200 ideias propostas pelos participantes da cúpula como parte de suas deliberações.

 

Uma nova visão para a educação das profissões de saúde

Tendo como pano de fundo o sistema ideal de saúde do século XXI descrito no relatório Quality Chasm, o comitê desenvolveu uma nova visão para a educação clínica nas profissões de saúde centrada no compromisso de, antes de mais nada, atender às necessidades dos pacientes. O comitê acredita que os seguintes elementos devem compor uma visão global para todos os programas e instituições envolvidas na educação clínica dos profissionais de saúde, e que tais organizações devem desenvolver princípios operacionais que permitam alcançar esta visão.

Todos os profissionais da saúde devem ser educados para prestar um cuidado centrado no paciente como membros de uma equipe interdisciplinar, enfatizando a prática baseada em evidências, abordagens de melhoria da qualidade e a informática.

A visão do comitê já é implementada em algumas instituições de todo o país – tanto no ambiente acadêmico como na prática –, mas não é incorporada no tecido básico da educação das profissões de saúde, nem é apoiada por processos de supervisão ou meios de financiamento. Assim, o comitê propõe um conjunto de cinco competências essenciais que todos os profissionais clínicos devem possuir, independentemente da sua disciplina, para atender às necessidades dos sistemas de saúde do século XXI. As competências são aqui definidas como o uso habitual e criterioso de conhecimentos, comunicação, habilidades técnicas, raciocínio clínico, emoções, valores e reflexão na prática diária (Hundert et al., 1996).

  • Prestar um cuidado centrado no paciente – identificar, respeitar e preocupar-se com as diferenças, valores, preferências e necessidades expressas pelos pacientes; aliviar a dor e o sofrimento; coordenar o cuidado contínuo; ouvir, informar claramente, educar e comunicar-se com os pacientes; compartilhar a tomada de decisões e o gerenciamento; e defender continuamente a prevenção de doenças, o bem-estar e a promoção de estilos de vida saudáveis, incluindo um foco na saúde populacional.

  • Trabalhar em equipes interdisciplinares – cooperar, colaborar, comunicar-se e integrar o cuidado em equipes para garantir que o cuidado seja contínuo e confiável.

  • Empregar práticas baseadas em evidências – integrar a pesquisa de alta qualidade aos conhecimentos clínicos e aos valores do paciente para otimizar o cuidado, e participar de atividades de aprendizagem e pesquisa, na medida do possível.

  • Aplicar a melhoria da qualidade – identificar erros e riscos no cuidado de saúde; compreender e implementar princípios básicos do design da segurança, tais como a padronização e a simplificação; compreender e medir continuamente a qualidade do cuidado em termos de estruturas, processos e resultados em relação às necessidades dos pacientes e da comunidade; e desenhar e testar intervenções para modificar processos e sistemas de cuidado, com o objetivo de melhorar a qualidade.

  • Utilizar a informática – comunicar, gerir os conhecimentos, mitigar os erros e apoiar a tomada de decisões usando a tecnologia da informação.

Foram feitos muitos esforços em resposta à necessidade de preparar os profissionais clínicos para um ambiente de prática em mutação (ABIM Foundation, 2002; Accreditation Council for Graduate Medical Education, 1999; American Association of Medical Colleges, 2001; Brady et al., 2001; Center for the Advancement of Pharmaceutical Education [CAPE] Advisory Panel on Educational Outcomes, 1998; Halpern et al., 2001; O’Neil and the Pew Health Professions Commission, 1998). Para formular as competências essenciais referidas acima, o comitê examinou as competências delineadas no relatório Quality Chasm, reviu outros esforços para definir as competências essenciais nas profissões da saúde e reviu a literatura relevante.

As cinco competências essenciais devem ser consideradas como um núcleo central, e não como uma lista exaustiva. O comitê reconhece que existem muitas outras competências que os profissionais da saúde devem possuir, como o compromisso com a aprendizagem ao longo da vida, mas acredita que as competências listadas acima são as mais relevantes em todas as disciplinas clínicas, promovem a visão do relatório Quality Chasm e correspondem aos esforços recentes para definir competências (Accreditation Council for Graduate Medical Education, 1999; Accreditation Council on Pharmaceutical Education, 2000). O comitê também reconhece que a aplicação das competências essenciais diferirá segundo a disciplina.

 

Próximos passos

Com algumas notáveis exceções (O’Neil e Pew Health Professions Commission, 1998; Pew Health Professions Commission, 1995), a maioria dos esforços de reforma atuais e passados se concentrou em uma profissão específica (Bellack e O’Neil, 2000; Christakis, 1995; Harmening, 1999; Jablonover et al., 2000). O comitê acredita que chegou o momento de que os líderes de todas as profissões trabalhem juntos nas mudanças transversais que devem ocorrer para efetivar a reforma da educação clínica e dos ambientes de treinamento relacionados, e que devem considerar cuidadosamente as mudanças culturais necessárias para apoiar esses esforços de reforma.

O comitê acredita que a integração de um conjunto central de competências – compartilhadas por todas as disciplinas – no espectro de supervisão das profissões da saúde facilitaria a reforma da educação dessas profissões. Um artigo recente, que sintetizou nove grandes relatórios sobre competências médicas e se concentrou no importante papel que as organizações de supervisão podem desempenhar, concluiu que, “sem dados sobre a qualidade da educação médica, a acreditação é o fator mais influente para a reforma curricular em nosso sistema descentralizado de educação médica” (Halpern et al., 2001). Muitos participantes da cúpula do IOM concordaram com esta conclusão. As duas alavancas para a mudança citadas com mais frequência pelos 150 participantes foram as abordagens de supervisão e mudanças no financiamento.

O comitê também recomenda o uso de outros métodos – como relatórios que incorporem indicadores relacionados à educação e inovações nos incentivos financeiros –, mas a maior parte de suas recomendações dirige-se às organizações de supervisão. Isto ocorre, em parte, devido à falta de indicadores para a educação e às atribuições deste comitê, que se concentra na educação clínica.1 Além disso, os processos de supervisão das profissões de saúde, como a acreditação e a certificação, funcionam a nível nacional, proporcionando assim um ponto de alavancagem para mudanças em todo o sistema. O comitê acredita que tal abordagem encorajará as instituições educacionais e associações profissionais a fazerem esforços nesse sentido.

O comitê gostaria de destacar a sua definição de “processos de supervisão”, ressaltando que incluem os esforços de organizações tanto do setor privado como do público:

Os processos de supervisão incluem a acreditação, a certificação e o licenciamento. A acreditação educacional serve como um ponto de alavancagem para a inclusão de conteúdos educacionais específicos em um currículo. O licenciamento avalia se um estudante compreendeu e dominou os currículos formais. A certificação procura assegurar que um profissional mantenha as suas competências em uma determinada área ao longo do tempo. A acreditação organizacional também pode influenciar a sustentação das competências dos profissionais.

O apelo para que as organizações de acreditação e certificação avancem para uma abordagem educacional baseada nas competências é uma resposta à crescente preocupação com a segurança do paciente (Institute of Medicine, 2000), às variações persistentes e substanciais no cuidado prestado aos pacientes segundo a região geográfica, que não estão relacionadas com as características dos pacientes (O’Connor et al., 1996; Wennberg, 1998), e ao desejo por parte das agências pagadoras públicas e dos consumidores de uma maior responsabilização (Leach, 2002; Lenburg et al., 1999). A educação baseada em competências procura tornar explícitos os resultados esperados da aprendizagem nos cursos e avaliar em que medida os alunos dominam estes resultados ou competências (Harden, 2002). A base de evidências sobre a efetividade das diferentes abordagens educacionais é escassa. No entanto, as poucas evidências existentes apontam para melhorias, tais como um melhor desempenho nos exames de licenciamento associado ao uso de abordagens educativas baseadas em competências ou em resultados (Carraccio et al., 2002).

Uma abordagem educacional baseada em competências poderia melhorar a qualidade, pois os educadores começariam a ter informações sobre os resultados, o que poderia, em última análise, melhorar o cuidado prestado aos pacientes. A definição de um conjunto central de competências em todos os processos de supervisão educacional também poderia reduzir custos, como resultado de uma melhor comunicação e coordenação, a simplificação de processos e a redução de redundâncias. A integração das competências essenciais nos processos de supervisão provavelmente geraria impulso para o desenvolvimento do corpo docente, a reforma curricular e atividades de liderança.

Uma linguagem comum e a adoção de competências essenciais

Antes que possam ser tomadas medidas para integrar um conjunto central de competências nos processos de supervisão, um grupo interdisciplinar que inclua líderes das profissões, instituições educacionais e organizações de supervisão precisará definir termos comuns. Vários estudos mostraram que qualquer movimento coletivo para reformar a educação deve começar por definir uma linguagem comum (Halpern et al., 2001; Harden, 2002). Tal esforço pode ajudar a pôr em movimento um processo focado em alcançar um nível de consenso entre todas as disciplinas em torno de um conjunto central de competências.

A falta de consenso entre as profissões em torno da linguagem e dos termos relacionados às competências essenciais pode prejudicar a sua integração nos processos de supervisão. Por exemplo, no que diz respeito à prática baseada em evidências, os líderes na área têm trabalhado para expandir a definição de evidências, de modo a incluir a pesquisa qualitativa e para dissipar o mito de que tal prática ignora a experiência clínica e a prática especializada (Guyatt, 1992). Apesar destes esforços, uma revisão da literatura sugere que persistem conceitos errados em relação à definição de evidências (Ingersoll, 2000; Marwick, 2000; Mazurek, 2002; Mitchell, 1999; Satya-Murti, 2000; Woolf, 2000). Uma revisão da literatura relacionada ao ensino de habilidades para o trabalho em equipes interdisciplinares revela as diferentes terminologias como um obstáculo: os professores têm dificuldade em entender os conceitos e conteúdos centrais de outras profissões, o que provoca conflitos quando ministram cursos interdisciplinares (Lavin et al., 2001; Pomeroy e Philp, 1994). O comitê acredita que um grupo interdisciplinar, criado sob a direção do Department of Health and Human Services (DHHS) dos EUA, deve ser encarregado de desenvolver uma linguagem comum entre as disciplinas da saúde e alcançar o consenso em torno de um conjunto central de competências.

Recomendação 1: O DHHS e fundações líderes devem fomentar esforços interdisciplinares centrados no desenvolvimento de uma linguagem comum, com o objetivo final de alcançar o consenso entre as profissões da saúde sobre um conjunto central de competências que inclua o cuidado centrado no paciente, equipes interdisciplinares, a prática baseada em evidências, a melhoria da qualidade e a informática.

Integração das competências nos processos de supervisão

O grau de integração das competências nos processos de supervisão existentes é variável. Qualquer esforço por uma maior integração seria reforçado se se baseasse em um conjunto central de competências, com definições universais partilhadas entre as profissões. O comitê reconhece que essas competências não são de forma alguma exaustivas, representando apenas um núcleo importante que os profissionais da saúde precisam conhecer para poderem atuar nos sistemas de saúde do século XXI.

Na última década, o foco nas competências começou a redefinir os sistemas de acreditação, particularmente em farmácia e medicina. As competências que essas disciplinas definiram são semelhantes às competências essenciais recomendadas pelo comitê. Em 1997, o American Council on Pharmaceutical Education (ACPE) adotou padrões de acreditação centrados em 18 competências profissionais (American Council on Pharmaceutical Education, 2002). Em 1999, o Accreditation Council for Graduate Medical Education (ACGME) e a organização de organismos certificadores, o American Board of Medical Specialties (ABMS), endossaram seis competências gerais como base para toda a educação médica de pós-graduação, e essas competências estão sendo gradualmente introduzidas (Accreditation Council for Graduate Medical Education, 2002). Até que sejam totalmente incorporadas e avaliadas, resta saber que efeito terão na educação de farmácia e medicina. Na enfermagem, as duas organizações acreditadoras também definiram competências – que não correspondem inteiramente às competências essenciais definidas aqui –, mas existem diferenças na forma como exigem a demonstração dessas competências (Commission on Collegiate Nursing Education, 2002; National League for Nursing Accrediting Commission, 2002). Por fim, os currículos de outras profissões de saúde examinadas neste relatório variam em termos da incorporação das cinco competências descritas acima (Collier, 2002).

O movimento de promoção das competências, no entanto, não tem tanta força nos processos de licenciamento e certificação. Os requisitos para a manutenção de uma licença variam consideravelmente, assim como os requisitos para as organizações que buscam o reconhecimento da sua excelência clínica. Além disso, certos estudos levantaram questões sobre a efetividade dos cursos de educação continuada, a forma mais comum de demonstrar a sustentação das competências (Cantillon e Jones, 1999; Davis et al., 1999).

Os esforços para incorporar um conjunto central de competências em todo o quadro de supervisão – acreditação, licenciamento e certificação – das diferentes profissões precisariam ocorrer nos níveis nacional, estadual e local; além disso, teriam que coordenar as organizações de supervisão dos setores público e privado e contar com amplas contribuições. Mais uma vez, o envolvimento do DHHS, e especificamente da Health Resources and Services Administration, seria importante para avançar com esta iniciativa, ajudando a estabelecer um processo de coleta de contribuições de associações profissionais e da comunidade educacional e a identificar vínculos e sinergias entre as diferentes entidades de supervisão das diversas profissões.

É fundamental estabelecer vínculos entre acreditação, certificação e licenciamento; seria lamentável, por exemplo, se houvesse requisitos de acreditação para os programas educacionais, mas esses requisitos não fossem então reforçados na prova de licenciamento. Todos os processos devem estar vinculados de modo a buscarem o mesmo resultado – capacitar os profissionais para que prestem um cuidado da maior qualidade possível.

Recomendação 2: O DHHS deve estabelecer um fórum e oferecer apoio para a realização de uma série de reuniões que envolvam todo o conjunto de organizações de supervisão nas diferentes disciplinas. Os participantes dessas reuniões seriam encarregados de desenvolver estratégias para incorporar um conjunto central de competências nas atividades de supervisão, com base em definições comuns compartilhadas entre as profissões. As reuniões pediriam ativamente a contribuição das associações profissionais e da comunidade educacional.

As estratégias para incorporar as competências nos processos de supervisão seriam necessariamente diferentes ao longo do arcabouço da supervisão em função da história, da abordagem regulamentar e da estrutura das diferentes entidades. Em todos os casos, os organismos de supervisão devem prosseguir com a deliberação, fazendo esforços para obter contribuições sobre a linguagem a ser utilizada e testando os novos requisitos, por exemplo, pelo uso de padrões provisórios. Também devem ser estabelecidos processos para monitorar e avaliar os novos requisitos, a fim de assegurar que sejam úteis e não excessivamente onerosos.

As experiências da ACPE e da ACGME apresentam algumas orientações sobre como os organismos de acreditação poderiam incorporar as competências em seus processos. Tanto a ACPE como a ACGME empreenderam um processo intensivo, ao longo de uma década, para repensar a forma como preparavam os profissionais para a prática. Elas concluíram que era necessária uma mudança fundamental e que precisavam se afastar de abordagens cada vez mais rigorosas, prescritivas e onerosas (Byrd, 2002; Batalden et al., 2002, Leach, 2002).

O que ainda não ocorreu é a coordenação entre os organismos de acreditação das várias profissões para definir um conjunto central de competências, padrões e medidas relacionadas. Essa coordenação permitiria evitar que cada organismo de acreditação procurasse reinventar a roda, promoveria sinergias e permitiria uma melhor comunicação e relações de trabalho, bem como uma integração mais consistente das competências centrais nas diferentes faculdades. Este tipo de esforço coordenado também ajudaria a garantir que aqueles que promovem inovações na educação não se sentissem asfixiados por requisitos de acreditação ultrapassados. Os organismos de acreditação organizacional – como a Joint Commission on Accreditation of Healthcare Organizations (JCAHO) e o National Committee for Quality Assurance (NCQA) – também deveriam considerar de forma mais aprofundada como os profissionais clínicos mantêm as suas competências, particularmente as que estão incluídas no conjunto de competências essenciais descrito aqui.

Recomendação 3: Com base em iniciativas anteriores, os organismos de acreditação devem avançar rapidamente para rever os seus padrões, de modo que os programas sejam obrigados a demonstrar – através de indicadores de processos e resultados – que educam os estudantes, tanto em programas acadêmicos como de educação continuada, para prestar o cuidado de saúde usando um conjunto de competências essenciais. Ao fazê-lo, esses organismos devem coordenar seus esforços.

Com exceção do cuidado centrado no paciente, que é consistentemente incluído nas provas das diferentes profissões, as provas de licenciamento para profissionais da saúde variam consideravelmente na forma como testam as competências essenciais (National Association of Boards of Pharmacy, 2002; National Council of State Boards of Nursing, 2001; United States Medical Licensing Exam, 2002). Esta situação também precisa ser abordada e poderia ser o foco de um subconjunto das organizações de supervisão descritas na recomendação 2.

Além disso, restrições geográficas ao licenciamento e diferenças regionais na legislação que determina o âmbito de atuação das diferentes disciplinas precisam ser examinadas para verificar se constituem um obstáculo sério à integração plena das competências centrais na prática, e, em caso afirmativo, é preciso encontrar formas de modificá-las para que todos os profissionais possam praticar a profissão utilizando ao máximo a sua formação e capacidade técnica. Embora este assunto esteja fora do escopo deste relatório, o comitê acredita que a questão merece um exame mais aprofundado, pois o licenciamento e o âmbito de atuação profissional influenciam a forma como os profissionais clínicos são empregados, o que, por sua vez, afeta as decisões sobre a sua educação. Por exemplo, restrições ao licenciamento podem dificultar a capacidade de um hospital rural de consultar um especialista que esteja licenciado em outro estado e só possa praticar lá (Phillips et al., 2002). Da mesma forma, restrições ao âmbito de atuação profissional em um estado podem proibir um enfermeiro clínico que faz parte de uma equipe interdisciplinar de gestão do cuidado para diabetes de prescrever medicamentos, enquanto outro estado permite que um enfermeiro em posição semelhante faça prescrições – mesmo que ambos os profissionais trabalhem para o mesmo plano nacional de saúde (Phillips et al., 2002). Estas restrições fazem cada vez menos sentido à medida que as organizações de saúde e os profissionais da saúde passam a atuar, cada vez mais, em diferentes estados ou regiões.

Por fim, o comitê acredita que deve haver um esforço concentrado para integrar um conjunto essencial de competências nos processos de supervisão centrados nos profissionais atuantes. Tal esforço exigirá a coordenação entre uma série de organizações de licenciamento e certificação dos setores público e privado, cujas abordagens atuais são pouco uniformes para as diferentes profissões ou para uma mesma profissão entre diferentes estados. Atualmente, muitos conselhos exigem apenas uma taxa para a renovação da licença (Swankin, 2002b; Yoder-Wise, 2002), e muitos outros consideram os cursos de educação continuada como evidência de competência, embora, como observado acima, isto não tenha demonstrado ser um indicador confiável (Davis et al., 2000; O’Brien et al., 2001).

Em primeiro lugar, os legisladores estaduais precisam exigir que os conselhos estaduais de licenciamento insistam para que os seus licenciados demonstrem as suas competências, e não apenas paguem uma taxa de renovação da licença para poderem continuar a praticar a profissão. Até o momento, os legisladores estaduais não insistiram em tal exigência, em parte porque há discordâncias sobre o que constitui evidência de competência, a frequência com que deve ser demonstrada e quem deve fazer esse julgamento. Os conselhos de licenciamento também precisam considerar a competência dos profissionais em diferentes fases da carreira. Por exemplo, um enfermeiro intensivista experiente ou um médico de uma subespecialidade devem ter um nível de competência mais alto que um profissional recém-formado nessas profissões.

O comitê acredita que todos os conselhos de profissionais da saúde precisam exigir a demonstração contínua de competência, devendo avançar para a adoção de provas rigorosas com esse fim. Para além das provas de licenciamento, há evidências que sugerem que a observação estruturada direta utilizando pacientes padronizados, avaliações por pares e perguntas baseadas em casos e ensaios são formas confiáveis de avaliar a competência (Epstein e Hundert, 2002; Murray et al., 2000).

Recomendação 4: Todos os conselhos profissionais devem avançar no sentido de exigir que os profissionais da saúde licenciados demonstrem periodicamente a sua capacidade de prestar o cuidado aos pacientes – conforme definido pelas cinco competências identificadas pelo comitê – através de medidas diretas de competência técnica, avaliação de pacientes, avaliação dos resultados do cuidado e outros métodos de avaliação baseados em evidências. Tais conselhos devem examinar simultaneamente os diferentes métodos de avaliação.

Existe uma maior uniformidade entre as organizações certificadoras que entre os conselhos profissionais, uma vez que quase todas requerem algum meio para demonstrar a competência continuada. A grande maioria permite o uso de duas ou mais abordagens, e muitas também consideram a competência em várias fases da carreira. Além disso, em resposta à escassez de evidências de que a participação em cursos de educação continuada melhora os resultados práticos, algumas organizações certificadoras estão começando a enfatizar medidas alternativas que são mais baseadas em evidências (American Board of Medical Specialties, 2000; American Nurses Association/NursingWorld. Org, 2001; Bashook et al., 2000; Board of Pharmaceutical Specialties, 2002; Federation of State Medical Boards, 2002; Finocchio et al., 1998; National Council of State Boards of Nursing, 1997-2000; Swankin, 2002a). Embora esses esforços sejam difíceis de implementar e muitas vezes sejam dispendiosos, os organismos de certificação só devem reconhecer os cursos de educação continuada como um método válido para manter a competência se esses cursos forem submetidos a uma avaliação baseada em evidências, se os profissionais selecionarem os cursos com base em uma avaliação das suas habilidades e conhecimentos individuais e se os profissionais demonstrarem, então, através de provas ou outros métodos, que aprenderam o conteúdo do curso.

O comitê reconhece que há um custo monetário e em termos de recursos humanos para passar à avaliação baseada em evidências, tanto para o licenciamento como para a certificação. Consequentemente, pode ser preciso implementar essas avaliações de forma gradual, ou então identificar os métodos de avaliação mais econômicos. O comitê também reconhece que um maior investimento no uso de prontuários eletrônicos permitiria gerar dados clínicos mais ricos, sem os quais esta abordagem não poderá ser utilizada de forma plena.

Recomendação 5: Os organismos de certificação devem exigir que os profissionais certificados mantenham a sua competência ao longo da carreira, demonstrando periodicamente a sua capacidade de prestar um cuidado de saúde que reflita as cinco competências, entre outros requisitos.

Ambientes de formação

A educação não ocorre num vácuo; de fato, muito do que se aprende se encontra fora do trabalho acadêmico formal de um curso. Um “currículo oculto” de comportamentos observados, interações, normas e a cultura geral dos ambientes de formação de um estudante são extremamente influentes ao moldar os valores e atitudes dos futuros profissionais da saúde. Muitas vezes, este currículo oculto contradiz o que é ensinado na sala de aula (Ferrill et al., 1999; Hafferty, 1998; Maudsley, 2001).

Consequentemente, o comitê acredita que é preciso dar apoio inicial às organizações profissionais exemplares que estabeleceram parcerias com instituições educacionais e que já estão oferecendo a educação interdisciplinar e o treinamento necessário para que os profissionais possam oferecer, de forma consistente, um cuidado que incorpore as competências essenciais. Além disso, o comitê acredita que essas organizações líderes devem ser identificadas como modelos de formação para outras organizações e devem receber os recursos necessários para abrir as suas portas aos estudantes, profissionais e professores de outras organizações; além disso, devem contar com apoio para testar abordagens alternativas na oferta de currículos que integrem as competências essenciais. Como a escassez de professores e a falta de preparação são barreiras à implementação de algumas das competências essenciais (Griner e Danoff, 2000; Halpern, 1996; Weed e Weed, 1999), é preciso dar atenção ao desenvolvimento do corpo docente, além da instrução dos alunos.

Esses centros de formação poderiam testar várias abordagens para incorporar as competências essenciais na educação dos estudantes, profissionais e docentes e oferecer orientações às organizações profissionais e educacionais sobre as principais questões operacionais, tais como: A aprendizagem baseada em problemas é a melhor abordagem para o ensino dessas competências? O ensino dessas competências deve ser integrado em outros cursos ou estas devem ser ensinadas de forma autônoma? Em que etapas da formação de um estudante devem ser ensinadas? Os centros de ensino também devem considerar como, após um investimento inicial, podem se tornar autossustentáveis depois de 3 a 5 anos. Esse modelo pode incluir a prestação de serviços de saúde ou a cobrança de taxas aos profissionais e professores pelo treinamento.

Há exemplos de centros de formação voltados a uma variedade de profissões. Por exemplo, na área da saúde há exemplos selecionados de centros de educação em saúde (AHECs, na sigla em inglês) que oferecem formação a uma ampla gama de profissionais com apoio da HRSA, enquanto em outros setores, como a indústria da aviação, há esforços mais abrangentes de treinamento interdisciplinar (O’Neil e Pew Health Professions Commission, 1998). Tais organizações poderiam oferecer locais centralizados e com infraestrutura de tecnologia da informação, o que seria uma forma eficiente de agregar custos entre muitas organizações.

Recomendação 6: As fundações, com o apoio de organizações profissionais e educacionais, deveriam assumir a liderança no desenvolvimento e financiamento de centros regionais de formação, representando parcerias entre a prática clínica e a educação. Estes centros devem aproveitar as lições aprendidas com as organizações inovadoras existentes e ser ambientes de treinamento de última geração focados no ensino e na avaliação das cinco competências essenciais.

Existem muitas barreiras à incorporação das cinco competências no ambiente clínico, onde residentes de medicina e profissionais recém-formados de enfermagem, farmacologia e outras profissões da saúde recebem um treinamento inicial que deixa uma marca importante na sua prática futura (Partnership for Solutions, 2002). Além da falta de tempo, restrições nos métodos de supervisão, a resistência por parte das profissões e a ausência de vontade política, o sistema geral de financiamento da saúde é um grande impedimento à integração das competências essenciais nos ambientes de prática clínica. Por isso, o comitê acredita que é preciso tomar medidas para explorar formas alternativas de pagamento aos profissionais clínicos para que promovam essa integração.

A falta de uma estrutura de incentivos financeiros torna-se muito clara quando consideramos, por exemplo, os tipos de serviços necessários para idosos com doenças crônicas e aquilo que o Medicare paga pelos serviços. Atualmente, o Medicare fee-for-service não paga pelo tempo gasto pelos profissionais clínicos com a educação em saúde, que permite, por exemplo, que pacientes com diabetes e doenças cardíacas façam as mudanças necessárias no seu estilo de vida e comportamento, ou pelo tempo gasto ajudando esses pacientes para ensiná-los a gerir ativamente a sua condição com o apoio da tecnologia. O Medicare fee-for-service também não paga pelo trabalho envolvido na coordenação e integração dos vários serviços de que tais pacientes necessitam, entre diferentes equipes e ambientes (Institute of Medicine, 2002). Consequentemente, o sistema de financiamento muitas vezes dificulta a integração das cinco competências na prática, apesar das evidências de que os pacientes que estão ativamente envolvidos no gerenciamento e na tomada de decisões sobre o seu cuidado apresentam melhores resultados em termos de qualidade e status funcional, a um menor custo (Gifford et al., 1998; Superio-Cabuslay et al., 1996; Von Korff et al., 1998; Wagner et al., 2001).

Sendo o maior pagador, o Medicare tem um efeito importante no sistema quando inova (Institute of Medicine, 2002). Além disso, o comitê acredita que pacientes com doenças crônicas – dos quais uma proporção considerável é coberta pelo Medicare – se beneficiariam muito com a integração das cinco competências na prática clínica. Existem diversas opções que poderiam servir de modelo para estas experiências de pagamento, incluindo a capitação, pagamentos agrupados, bônus, retenções e várias formas de compartilhamento de riscos e responsabilidades entre clínicos e pagadores (Bailit Health Purchasing, 2002; Guyatt et al., 2000). O comitê encoraja outros pagadores a seguirem o exemplo.

Recomendação 7: Através de projetos de demonstração do Medicare, os Centers for Medicare and Medicaid Services (CMS) devem assumir a liderança no financiamento de experiências que facilitem e criem incentivos para que os profissionais da saúde integrem abordagens interdisciplinares nos ambientes educacionais ou práticos, com o objetivo de estabelecer um campo de treinamento para estudantes e profissionais que incorpore as cinco competências essenciais.

Pesquisa e informação

Juntamente com mudanças nos sistemas de supervisão e nos ambientes de formação, o comitê acredita que a coleta de evidências sobre a efetividade de intervenções educacionais pode servir como um catalisador para a mudança. Para isso, é preciso desenvolver melhor as evidências relacionadas à associação entre a educação clínica e a qualidade do cuidado de saúde, bem como as evidências sobre várias abordagens de ensino.

Em uma revisão de 117 estudos sobre a educação continuada, menos de 20% dos estudos usaram resultados ligados ao cuidado de saúde como medida de efetividade (Davis et al., 2000), e uma revisão de 2.000 artigos sobre educação continuada mostrou que apenas cerca de 5% avaliaram a relação entre o conteúdo do curso e os resultados clínicos (Jordan, 2000). A educação em si é dominada pela intuição e tradição, que nem sempre se sustentam quando submetidas à verificação empírica (Tanenbaum, 1994; van der Vleuten et al., 2000). Por exemplo, certos estudos demonstraram que o ensino baseado em aulas sobre componentes isolados, a forma mais comum de transmissão de informações tanto no ambiente acadêmico como na educação continuada, fracassa por não fornecer um meio para que os estudantes integrem ou apliquem as informações recebidas (Wass et al., 2001).

Embora exista um financiamento público significativo para a educação das profissões da saúde, há poucos recursos públicos e privados disponíveis para a pesquisa voltada a determinar se os fundos estão sendo bem gastos. Além disso, boa parte da pesquisa existente é específica para determinadas disciplinas – e, portanto, não reflete o ambiente da prática clínica atual.

O comitê acredita que chegou o momento de concentrar mais energia e recursos no desenvolvimento de uma base de evidências sólida e convincente sobre o impacto do conteúdo educacional no cuidado de saúde e sobre os métodos mais eficazes na educação de profissionais clínicos, para que os educadores, pagadores e reguladores possam avaliar objetivamente o que precisa ser enfatizado nos currículos das profissões da saúde e o que deve ser eliminado. Tal pesquisa deve abranger uma variedade de disciplinas.

Recomendação 8: A Agency for Healthcare Research and Quality (AHRQ) e fundações privadas devem apoiar projetos de pesquisa em andamento que abordem as cinco competências centrais e a sua associação com a saúde individual e populacional, bem como estudos sobre a ligação entre a ênfase nas competências e a educação baseada em evidências. Tais projetos devem envolver pesquisadores de duas ou mais disciplinas.

O comitê acredita que será necessário incorporar indicadores relacionados à educação nos esforços de comunicação da qualidade e de monitoramento contínuo a fim de realizar a visão articulada neste relatório. A falta de informações padronizadas sobre a qualidade da educação clínica dificulta o trabalho dos líderes que procuram reformar a educação. A falta de indicadores padronizados também diferencia a educação clínica do movimento mais amplo de qualidade no cuidado de saúde. A existência de um ranking de classificação – pela NCQA em relação à qualidade dos planos de saúde ou pelo U.S. News and World Report em relação aos hospitais, por exemplo – força os líderes a concentrarem sua atenção na melhoria do desempenho em um determinado conjunto de indicadores comparáveis (National Committee for Quality Assurance, 2002; U.S. News and World Report, 2002). O National Healthcare Quality Report Card, previsto para ser lançado pela AHRQ em 2003 e anualmente a partir de então, provavelmente padronizará ainda mais a medição da qualidade e chamará a atenção para os pontos fortes e fracos do sistema atual. No entanto, não está prevista a inclusão de nenhum indicador relacionado à educação neste primeiro relatório anual (Agency for Health Care Research Quality, 2002).

É preciso lançar desde já esforços concentrados em desenvolver indicadores relacionados à educação, dado o tempo necessário para desenvolver e testar possíveis indicadores antes que possam ser incorporados aos relatórios de avaliação da qualidade. O comitê reconhece que, inicialmente, haverá apenas um pequeno número de indicadores prontos para a elaboração de relatórios públicos.

Recomendação 9: A AHRQ deve trabalhar com um grupo representativo de líderes do setor da saúde para desenvolver medidas que reflitam o conjunto central de competências, estabelecer metas nacionais de melhoria e publicar um relatório avaliando o progresso em direção a essas metas. A AHRQ deve publicar o primeiro relatório, centrado nas instituições de educação clínica, em 2005, e produzir relatórios anuais a partir daí.

Liderança

Uma reforma significativa da educação das profissões da saúde representa um desafio, para dizer o mínimo. O sistema de supervisão é um amálgama de distintas organizações com diferentes requisitos e filosofias, que se encontram agora sob considerável pressão para demonstrar uma maior responsabilização (Batalden et al., 2002; Finocchio et al., 1998; Leach, 2002; O’Neil e a Pew Health Professions Commission, 1998). No meio acadêmico, reitores, chefes de departamentos, diretores de programas de residência e outros líderes enfrentam uma grande quantidade de pedidos para acrescentar novos elementos a um currículo que já está sobrecarregado. A escassez de profissionais importantes, como enfermeiros e farmacêuticos, é outra dificuldade importante. Além disso, o financiamento de alguns centros de saúde universitários está sob pressão, e os estados enfrentam déficits orçamentários que os levam a cortar os orçamentos da educação, incluindo o financiamento para universidades e faculdades (Griner e Danoff, 2000).

Quando acontecem mudanças na educação das profissões da saúde, isso não se dá da noite para o dia. É necessário trabalhar ao longo de vários anos para desenvolver, rever e alcançar o consenso sobre novos requisitos ou métodos antes que possam ser implementados. Dado este ambiente, o comitê acredita que a reforma da educação clínica só será possível se contarmos com as habilidades e o compromisso de uma grande variedade de líderes do setor da saúde. Uma análise e síntese recente de 44 iniciativas de reforma curricular revelou que a liderança é o fator citado com mais frequência como um elemento que promove a mudança curricular (Bland et al., 2000).

Consequentemente, o comitê acredita que, para manter o ímpeto da reforma na educação clínica, será necessário realizar cúpulas bienais para reunir os líderes que demonstraram um compromisso real com a implementação da visão global do comitê. Estas cúpulas devem servir como um fórum para que os líderes façam um balanço – incluindo a revisão dos indicadores de desempenho relacionados com a educação e, ao longo do tempo, as tendências no avanço em direção às metas – e definam os planos futuros. Deve ser elaborado um relatório escrito em cada cúpula, que reúna essas informações e as comunique para o setor como um todo.

Recomendação 10: A partir de 2004, deve ser realizada uma cúpula interdisciplinar bienal envolvendo os líderes do setor da saúde na área da educação, nos processos de supervisão, na prática clínica e em outras áreas. Essa cúpula deve se concentrar tanto na revisão do progresso realizado em relação às metas explícitas como no estabelecimento de metas para a próxima fase, tendo em conta as cinco competências e outras áreas necessárias para preparar os profissionais para os sistemas de saúde do século XXI.

Conclusão

O comitê fez 10 recomendações principais para a reforma na educação das profissões da saúde, visando melhorar a qualidade e atender à evolução das necessidades dos pacientes. Cada uma destas recomendações se concentra em formas de integrar um conjunto de competências essenciais na educação das profissões da saúde. Em conjunto, elas representam uma mistura de abordagens relacionadas aos processos de supervisão, ao ambiente de prática clínica, à pesquisa, à comunicação pública e à liderança.

A implementação gradual dessas recomendações é importante. O primeiro passo consiste em articular termos comuns para estabelecer definições compartilhadas que possam embasar discussões interdisciplinares sobre as competências essenciais. Uma vez que as disciplinas tenham chegado a um acordo sobre um conjunto central de competências, os organismos de supervisão públicos e privados podem considerar como incorporar essas competências nos seus processos – servindo como um catalisador para muitas instituições educacionais e associações profissionais e como um apoio para aqueles que já avançaram na adoção de uma abordagem baseada em competências. O comitê acredita que o desenvolvimento de uma linguagem e de definições comuns para as competências essenciais deve acontecer o quanto antes, e no mais tardar até 2004, dado que a integração das competências essenciais nos processos de supervisão levará um tempo considerável, talvez uma década ou mais, se tomarmos como guia os esforços da ACGME e da ACPE.

Enquanto prossegue o trabalho de integração das competências essenciais nos processos de supervisão, os esforços das organizações profissionais para integrar as competências essenciais na prestação do cuidado devem ser fomentados através do exemplo de centros de aprendizagem regionais e projetos de demonstração do Medicare. Simultaneamente a esses esforços, a AHRQ e fundações privadas devem oferecer apoio à pesquisa centrada na efetividade das competências e da educação baseada em competências e, o mais importante, desenvolver um conjunto de indicadores que reflitam o conjunto central de competências, juntamente com metas nacionais de melhoria. O comitê convida a AHRQ a publicar um primeiro relatório sobre as instituições educacionais de saúde até 2005, ainda que com um número limitado de indicadores iniciais; por isso, os esforços relacionados à elaboração do relatório devem começar imediatamente. Por fim, o comitê acredita que as cúpulas bienais – a partir de 2004 – de líderes do setor da saúde que controlam e definem os sistemas educativos serão um mecanismo importante para integrar e promover os esforços dos responsáveis pelo desenvolvimento de indicadores, inovadores na educação e na prática clínica, pesquisadores e líderes de organismos de supervisão.

O comitê está confiante de que as suas recomendações são sólidas e viáveis, pois fundamentam-se numa revisão da literatura e contam com a contribuição de uma grande variedade de líderes que atuam sobre os sistemas educativos tanto direta como indiretamente (ver Apêndice C). Para construir uma ponte que nos permita atravessar o abismo da qualidade no cuidado de saúde, não podemos trabalhar de forma isolada. O comitê espera que este relatório dê início a outros esforços para reformar a educação clínica, tanto individual quanto coletivamente, de modo que ela se concentre na redução contínua da carga de doenças, lesões e incapacidades, com o objetivo último de melhorar o estado de saúde, o funcionamento e a satisfação do povo americano (President's Advisory Commission on Consumer Protection and Quality in the Health Care Industry, 1998b). É o mínimo que podemos oferecer ao público.


 

Fonte:
; 2020.
Nota Geral:

O Sumário Executivo foi traduzido pelo portal Proqualis. O texto completo pode ser encontrado na íntegra no PDF ao lado.

Para ler o relatório completo em inglês, Health Professions Education: A Bridge to Quality, acesse: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK221528/