Epidemiologia da morte materna e o desafio da qualificação da assistência.

Janaina Aparecida Tintor ; Lise Maria Carvalho Mendes ; Juliana Cristina dos Santos Monteiro ; Flávia Gomes-Sponholz
Resumo:

Resumo
Objetivo
Descrever os óbitos maternos declarados e identificar o perfil epidemiológico das mulheres que foram a óbito em seu ciclo gravídico-puerperal e analisar as variáveis relacionadas à assistência no pré-natal e parto.

Métodos
Esta é uma pesquisa com delineamento retrospectivo com abordagem quantitativa do tipo levantamento. A população estudada foi constituída por mulheres que foram a óbito em seu período gravídico-puerperal, residentes em um dos 26 municípios da área de abrangência do Departamento Regional de Saúde de Ribeirão Preto, no período de 2011 a 2016. Foram analisados dados secundários obtidos via Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde. Foram analisadas variáveis sociodemográficas, relativas ao óbito, ao pré-natal e parto e à rede de atenção à saúde. Os dados foram analisados de modo descritivo com a análise univariada.

Resultados
Foram encontrados registros de 36 óbitos maternos no período de 2011 a 2016, a maioria dos óbitos ocorreu em mulheres na faixa etária de 20 a 29 anos (63,9%), com média de idade de 28,1 anos, sendo a maioria solteira (50%), cor branca (66,7%), primípara (41,7%), com renda (30%). O acesso ao pré-natal foi perceptível na captação precoce (72,2%) e no número de consultas durante o pré-natal. A principal via de parto foi a cesárea (52,8%). As mortes maternas obstétricas diretas resultaram em 77,8% dos óbitos, sendo as principais causas: hipertensão, infecção e hemorragia.

Conclusão
O presente estudo mostrou que a maioria dos óbitos maternos ocorreu em mulheres na faixa etária de 20 a 29 anos, solteiras, de cor branca e primigestas. Foram perceptíveis a captação precoce e o adequado número de consultas durante o pré-natal. A classificação da maioria das mortes foi obstétrica direta, sendo hipertensão, infecção e hemorragia as principais causas. Foi possível conhecer a estrutura de redes e verificar uma boa cobertura de atenção primária e de atenção hospitalar para assistência ao parto.

Mortalidade materna; Qualidade da assistência à saúde; Saúde da mulher; Epidemiologia

Resumen
Objetivo
Describir las defunciones maternas declaradas, identificar el perfil epidemiológico de las mujeres que fallecieron durante el embarazo o el puerperio y analizar las variables relacionadas con la atención prenatal y el parto.

Métodos
Se trata de un estudio con diseño retrospectivo y enfoque cuantitativo tipo recopilación. La población estudiada estuvo compuesta por mujeres que fallecieron durante el embarazo o el puerperio, residentes en algunos de los 26 municipios del área de cobertura del Departamento Regional de Salud de Ribeirão Preto, en el período de 2011 a 2016. Se analizaron datos secundarios obtenidos mediante el Departamento de Informática del Sistema Único de Salud. Se analizaron variables sociodemográficas, relativas a la defunción, a la atención prenatal y parto y a la red de atención en salud. Los datos se analizaron de modo descriptivo con el análisis univariado.

Resultados
Se encontraron registros de 36 defunciones maternas en el período de 2011 a 2016, la mayoría de las defunciones ocurrió en mujeres dentro del grupo de edad de 20 a 29 años (63,9 %), con promedio de edad de 28,1 años, la mayoría soltera (50 %), blanca (66,7 %), primípara (41,7 %), con ingresos (30 %). El acceso a la atención prenatal fue detectado mediante la captación temprana (72,2 %) y el número de consultas prenatales. La principal vía de parto fue la cesárea (52,8 %). Las muertes maternas obstétricas directas representaron el 77,8 % de las defunciones, y las principales causas fueron: hipertensión, infección y hemorragia.

Conclusión
El presente estudio mostró que la mayoría de las defunciones maternas ocurrió en mujeres dentro del grupo de edad de 20 a 29 años, solteras, blancas y primíparas. Se detectó la captación temprana y un número adecuado de consultas prenatales. La clasificación de la mayoría de las muertes fue obstétricas directa, y las principales causas fueron hipertensión, infección y hemorragia. Fue posible conocer la estructura de redes y verificar una buena cobertura de atención primaria y de atención hospitalaria para asistencia al parto.

Mortalidad materna; Calidad de la atención de salud; Salud de la mujer; Epidemiología

Abstract
Objectives
To describe reported maternal deaths, identify the epidemiological profile of women who died during their pregnancy-postpartum cycle, and analyze the variables related to prenatal and childbirth care.

Methods
Retrospective quantitative survey. The studied population was women who died during their pregnancy-postpartum cycle and lived in one of the 26 municipalities in the area covered by the Ribeirão Preto Regional Health Department from 2011 to 2016. Secondary data obtained via the Department of Informatics of the Brazilian Unified Health System, including sociodemographic information and variables related to death, prenatal and childbirth, and the healthcare network, were treated by using descriptive statistics and univariate analysis.

Results
Records of 36 maternal deaths were found for the period between 2011 and 2016. Most deaths occurred in women from 20 to 29 years old (63.9%). The average age of the examined women was 28.1 years, and most were single (50%), white (66.7%), primiparous (41.7%), and had an income source (30%). Access to prenatal care was perceptible because of the existence of early recruitment (72.2%) and the number of prenatal appointments. The main mode of delivery was cesarean (52.8%). Direct obstetric causes of maternal death resulted in 77.8% of the occurrences, and the main causes were hypertension, infection, and bleeding.

Conclusion
The present study showed that most maternal deaths occurred in single, white, and primiparous women from 20 to 29 years old. Early recruitment and adequate number of prenatal appointments stood out. The classification of most deaths was direct obstetric, and hypertension, infection, and bleeding were the main causes. The present study exposed the network structure present in the healthcare sphere at issue and showed satisfactory primary healthcare and hospital coverage in childbirth care.

Maternal mortality; Quality of Health Care; Women’s Health; Epidemiology

Introdução
A morte materna é definida pela Classificação Internacional de Doenças (CID10) como o óbito de uma mulher na gestação, no parto ou 42 dias após o parto, devido a qualquer causa relacionada ou agravada pelo período, excluindo causas acidentais ou incidentais.(1)

Segundo o Grupo Interinstitucional de Avaliação de Mortalidade Materna das Nações Unidas, em 2015 havia uma estimativa de 303.000 mortes maternas no mundo, perfazendo uma razão de mortalidade materna (RMM) de 216/100.000 nascidos vivos (NV), a maioria evitável e ocorreu em países em desenvolvimento.(2) A maioria das mortes maternas seria evitável se as mulheres tivessem tratamento e cuidados adequados, incluindo atendimento pré-natal por profissionais de saúde bem capacitados, assistência durante o parto e apoio nas primeiras semanas após o parto.(3)

A mortalidade materna é um potente indicador de saúde que reflete as condições sociais, econômicas e de qualidade de vida das pessoas que vivem em um determinado local.(4) Reduzir a ocorrência de mortes maternas tem sido uma prioridade mundial e está incluída nas metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e na Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas. Investimentos e atenção contínuos são necessários para atingir a meta global de menos de 70 mortes maternas por 100.000 NV até 2030, o que poderia salvar mais de um milhão de vidas ao longo de uma década.(3) Atingir essa meta é muito importante para melhores indicadores de saúde, mas muito mais por reduzir barreiras de acesso das mulheres a serviços de saúde e reduzir iniquidades. Uma condição imprescindível para avanços na redução de mortes maternas é entender as causas das mortes para decisões efetivas sobre políticas e programas de saúde.

O Departamento Regional de Saúde de Ribeirão Preto (DRS XIII) é um dos 17 Departamentos Regionais de Saúde do Estado de São Paulo e conta com uma população estimada de 1.327.989 habitantes.(5) Composto por 26 municípios, o DRS XIII é dividido em três regiões de saúde: Aquífero Guarani (10 municípios), Horizonte Verde (nove municípios) e Vale das Cachoeiras (sete municípios). O DRS XIII tem 20 maternidades, sendo 13 públicas e sete privadas. A Rede Cegonha foi implementada no DRS XIII, conforme portaria ministerial, para reorganizar a assistência em saúde para mulheres e crianças; propõe o monitoramento de alguns indicadores de saúde e visa o acesso a uma rede de cuidados, habilitação e custeio de leito.

A RMM no período de 2010 a 2016 no DRS XIII apresenta uma média de 30,59/100.000 NV, sendo que os anos de 2015 e 2016 chamaram a atenção por estarem acima dessa média, ficando em 63,37 e 51,95 por 100.000 NV, respectivamente.(6) Justificamos a realização do presente estudo, a partir da constatação do aumento do número dessas mortes na região do DRS XIII. Entendemos ser importante descrever as causas de óbitos maternos e avaliar a assistência prestada, destacando a necessidade de intervenção numa população onde a morte materna é em sua maioria evitável, evidenciando um grande impacto familiar e social.

Os objetivos do estudo foram descrever os óbitos maternos declarados ocorridos nos municípios da área de abrangência do DRS XIII; identificar o perfil epidemiológico das mulheres que foram a óbito em seu ciclo gravídico-puerperal e analisar as variáveis relacionadas à assistência no pré-natal e parto.

Métodos
Esta é uma pesquisa com delineamento retrospectivo com abordagem quantitativa do tipo levantamento.

A população estudada foi constituída por mulheres que foram a óbito em seu período gravídico-puerperal, residentes em um dos 26 municípios da área de abrangência do DRS XIII, no período de 2011 a 2016.

Foram analisados dados secundários obtidos via Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS) por meio dos sistemas: Sistema de Informação de Nascidos Vivos (SINASC) e Sistema de Informação de Mortalidade (SIM). Os dados de estrutura de redes foram obtidos pelo Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), sendo esses dados de estabelecimentos do Sistema Único de Saúde (SUS) e não SUS.(7)

Foram analisadas as seguintes variáveis: sociodemográficas (faixa etária, situação conjugal, cor, escolaridade, ocupação e procedência); relativas ao óbito (local do óbito, momento do ciclo gravídico-puerperal em que a morte ocorreu, assistência médica durante a doença que ocasionou o óbito, diagnóstico confirmado por necropsia e causa da morte materna obstétrica); relativas ao pré-natal e parto (local do pré-natal, número de gestações, captação precoce, número de consultas de pré-natal, via de parto, profissional que assistiu ao parto); relativas à rede de atenção à saúde (identificação do percentual de cobertura de atenção básica e saúde suplementar por regiões de saúde do DRS XIII, identificação das maternidades, números de leitos obstétricos de risco habitual e de gestação de alto risco, e total de leitos de unidade de terapia intensiva adulto).

Após autorização pelo Centro de Informações Estratégicas em Saúde (CIEVS) da Coordenadoria de Controle de Doenças (CCD) da Secretaria de Estado de Saúde de São Paulo (SES-SP), os dados foram coletados das Declarações Óbito e ficha síntese de investigação que estão sob domínio do Sistema de Informação de Mortalidade.

Os dados foram analisados de modo descritivo com a análise univariada. As variáveis qualitativas foram apresentadas na forma de distribuição de frequências absolutas (n) e relativas (%); e para as variáveis quantitativas foram calculados valores de média e mediana, desvios padrão e valores máximos e mínimos.

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob o número CAAE 79532617.0.0000.5393 e encaminhado ao CIEVS/CCD da Secretaria de Estado de Saúde de São Paulo, a fim de atender às recomendações contidas na resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde e das Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisa envolvendo Seres Humanos.

Resultados
Foram encontrados no período de 2011 a 2016, o registro de 36 óbitos maternos de residentes nos municípios da área de abrangência do DRS XIII. A distribuição da razão de mortalidade materna do DRS XIII nos últimos seis anos foi 27,44/100.000 NV em 2011, 16,54/100.000 NV em 2012, 16,74/100.000 NV em 2013, 21,43/100.000 NV em 2014, 63,37/100.000 NV em 2015 e 51,95/100.000 NV em 2016.

Mortalidade materna segundo perfil epidemiológico
Observando o perfil de morte dessas mulheres, 23 óbitos (63,9%) ocorreram em mulheres na faixa etária de 20 a 29 anos, seguido de 11 óbitos (30,6%) na faixa etária de 30 a 39 anos, e dois óbitos (5,6%) nas mulheres abaixo de 20 anos. Nenhum óbito foi encontrado em mulheres acima de 40 anos, sendo a idade mínima de 18 anos e a idade máxima de 39 anos, a média de idade dessas mulheres foi de 28,1 anos. Analisando a situação conjugal, 18 mulheres (50%) eram solteiras e 12 (33,4%) casadas ou tinham união estável, quanto à cor, 24 mulheres (66,7%) eram brancas, seguidas de cinco (13,9%) pardas e cinco (13,9%) pretas. O perfil de escolaridade mostrou que 19 mulheres (52,8%) tinham oito anos ou mais de estudo e cinco (13,9%) tinham ensino superior completo. Em relação a ocupação, o registro dessa informação demonstrou que 11 mulheres (30%) possuíam renda, considerando que possuíam um código de Classificação Brasileira de Ocupação preenchida para esse campo na DO, já em 20 (55,6%) registros essa informação foi preenchida como ignorada e cinco (13,9%) registros estavam em branco, ou seja, sem preenchimento do dado.

Mortalidade materna segundo assistência no pré-natal e parto
Quanto ao local de realização do pré-natal, 13 mulheres (36,1%) acompanharam suas gestações na atenção primária, seguidas de nove mulheres (19,4%) que estavam inseridas no acompanhamento de alto risco; e cinco (13,9%) que realizaram o pré-natal na saúde suplementar. Das 36 mulheres, 15 estavam na sua primeira gestação (41,7%), 10 (27,8%) eram secundigestas e 11 (30,6%) eram multigestas. Ao verificar o início do pré-natal em relação à idade gestacional, 26 mulheres (72,2%) iniciaram o acompanhamento antes da 12ª semana, e em relação ao número de consultas, 18 mulheres (50%) realizaram sete ou mais consultas, seguidas de sete gestantes (19,4%) com quatro a seis consultas e cinco (13,9%) com uma a três consultas. A principal forma de resolução da gravidez foi a cesárea, sendo 19 mulheres (52,8%) submetidas ao procedimento cirúrgico.

Segundo dados analisados, 33 mulheres (91,7%) morreram em ambiente hospitalar, 28 (77,8%) tiveram assistência médica declarada no momento do óbito e 20 mulheres (55,6%) foram encaminhadas para necropsia (Tabela 1).

 ThumbnailTabela 1
Caracterização dos óbitos por local de ocorrência e condição de assistência
Mortalidade materna segundo classificação, causa obstétrica e momento do óbito
Para a análise das causas das mortes foi utilizada a lista de três caracteres da 10ª Revisão da Classificação de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde CID - 10, capítulo XV, formando agrupamentos e códigos. Para o agrupamento morte materna direta, foram considerados os códigos Hipertensão O11, O13, O14, O15 e O16; Hemorragias O45 e O72; Infecção O23, O85 e O86 e demais causas O43, O73, O75 e O90. Para as causas obstétricas indiretas, foram considerados os códigos: Doença para HIV B20; Complicações no puerpério O98 e O99 e Hipertensão preexistente O10, sendo que 28 mulheres (77,7%) morreram por causas obstétricas diretas. Na distribuição desses óbitos no ciclo gravídico-puerperal, observou-se que o período de maior risco foi o pós-parto com 25 mortes (69,5%), sendo oito (22,2%) durante a gestação, dois (5,5%) no parto, 24 (66,7%) no puerpério imediato (até 10 dias após o parto) e um (2,8%) no puerpério tardio (após 10 dias do parto) e uma (2,8%) morte por aborto (Tabela 2).

 ThumbnailTabela 2
Distribuição dos óbitos maternos segundo classificação, causa obstétrica e momento do óbito
Discussão
No presente estudo foram registradas e declaradas 36 mortes de mulheres no ciclo gravídico-puerperal, no período de 2011 a 2016. Esses números chamam a atenção pelo aumento da ocorrência dos óbitos a partir de 2015 e mantendo-se em 2016, demonstrando uma linha de ascendência. Fazendo uma análise da série histórica estudada, a RMM do DRS XIII no período de 2011 a 2014 apresentou índices abaixo da RMM do estado de São Paulo. Porém, em 2015 os números de óbitos maternos no DRS XIII triplicaram, chegando a uma RMM de 63,37/100.000 NV, superando o estado de São Paulo em 25%, que no mesmo ano teve RMM de 47,53/100.000 NV.(8) Preocupa-nos essa informação, pois nos anos seguintes ao estudado, 2017 e 2018, esse platô se manteve no DRS XIII com RMM de 55,56/100.000 NV e 60,69/100.000 NV respectivamente, sem perspectiva de queda.(6) A OMS alerta para os parâmetros das altas taxas de mortalidade materna (RMM acima de 50/100.000 NV), e os resultados encontrados no DRS XIII, coloca a região com classificação alta e preocupante.

Neste estudo, a maioria dos óbitos maternos ocorreu em mulheres jovens, na faixa etária de 20 a 29 anos, sendo a maioria solteira, da cor branca e com oito ou mais anos de estudo. A caracterização dos óbitos corrobora outros estudos considerando a faixa etária, situação conjugal, ocupação e escolaridade.(9-11) Porém, segundo outras evidências, a mortalidade materna é mais frequente entre mulheres negras, condição explicada pela associação do difícil controle pressórico das doenças hipertensivas nessa população, dificuldade de acesso aos serviços de saúde e pela baixa qualidade da assistência.(10,12) Um estudo retrospectivo americano, concluiu que mulheres afro-americanas têm uma razão de mortalidade materna quatro vezes maior que as mulheres americanas brancas.(13) Quanto a situação conjugal, pesquisadores concordam que a presença do companheiro tem sido interpretada como possibilidade de maior suporte emocional durante a gravidez e parto.(14)

Outro aspecto identificado no presente estudo foi o acesso garantido das gestantes ao pré-natal, seja através da atenção primária ou pela saúde suplementar, a maioria das mulheres teve acesso ao acompanhamento pré-natal iniciando ainda no primeiro trimestre, perfazendo seis ou mais consultas, conforme preconizado pelas diretrizes da Rede Cegonha, porém com desfecho desfavorável. Tal fato chama atenção de que mesmo garantindo os indicadores do Ministério da Saúde, como captação precoce, número de consultas e acesso, que são indicadores quantitativos, a qualidade não é mensurada por esses dados na atenção obstétrica.

Segundo o estudo Nascer no Brasil, 98,7% das gestantes tiveram cobertura elevada da assistência pré-natal, com 75,8% das mulheres iniciado o pré-natal precocemente e 73,1% compareceram a seis ou mais consultas.(15) A pesquisa enfatizou ainda que a assistência ao pré-natal deve ser acolhedora de modo a proporcionar confiança e vinculo da gestante com a unidade.(15)

Quanto ao desfecho, quase a totalidade das mulheres deste estudo morreu em uma instituição hospitalar, teve assistência médica no momento do óbito e foi encaminhada para necropsia. O encaminhamento dessas mulheres para necropsia é de suma importância, contribuindo assim para identificação das possíveis causas e subsidiando adoção de medidas que possam evitar a sua reincidência.

Entretanto, o método utilizado neste estudo não nos permitiu acesso aos resultados da necropsia para a confirmação da causa básica do óbito. Porém, todas as mortes maternas ocorridas nos municípios da área de abrangência do DRS XIII são apresentadas e discutidas no Comitê Regional de Vigilância a Morte Materna, Infantil e Fetal. Este, assim como as demais Comissões ou Comitês de Prevenção e Combate à Morte Materna, tem caráter educativo e é responsável por identificar a magnitude da mortalidade materna, suas causas e fatores que a determinaram, avaliando os resultados da assistência prestada às gestantes e puérperas. Após a análise das investigações dos óbitos, o Comitê encaminha recomendações, se necessário, aos gestores de todos os níveis de atenção a saúde para ciência e devidas providências.

O período de maior risco foi o puerpério, seguido da gestação. Corrobora o estudo realizado na Índia, que alerta para a alta mortalidade no primeiro e segundo dia após o nascimento.(16) Nesse contexto, é essencial a qualificação da equipe para reconhecimento das emergências e intervenção imediata às complicações.(17,18)

Analisando os tipos de parto, o presente estudo observou que mais da metade das mulheres foi submetida à cesariana. Uma meta-análise recente concluiu que mulheres que foram submetidas à cesariana apresentaram 3,1 vezes mais chances de morrer do que as que tiveram parto normal.(18) A cesariana pode contribuir para o aumento dos óbitos maternos e para a morbidade materna grave, devido a exposição da mulher a riscos inerentes de uma cirurgia, como hemorragias, infecções, reações anestésicas, embolias, entre outros, somente devendo ser indicado em situações de comprovada morbidade obstétrica e riscos fetais.(19)

Em relação à paridade, as mortes ocorreram mais entre as primigestas. A maioria das mortes em primigestas não corresponde aos achados na literatura, que apontam a multiparidade como fator de risco, principalmente devido maiores chances de hemorragias, considerando que o aumento das mortes em primigestas podem estar associadas à comorbidades.(20,21)

Quanto às causas das mortes maternas, a maioria dos óbitos foi por causa obstétrica direta, sendo distribuídos em complicações da hipertensão, hemorragia, infecção e outras causas que complicam a gravidez, o parto e ou o puerpério. Um estudo realizado no estado de São Paulo mostrou a transição da principal causa de morte materna no estado entre os anos de 2010 e 2015, diminuindo os óbitos por distúrbios hipertensivos e aumentando a morte das mulheres por hemorragias. Essas causas chamaram a atenção, pois poderiam ser evitadas por meio de integração das redes de atenção à saúde e ambientes hospitalares prioritariamente organizados, prontos e qualificados.(11) As mortes causadas por distúrbios hipertensivos também merecem análise, principalmente quando se instala nas suas formas mais graves, como a eclâmpsia e a síndrome HELLP.

Em relação à morte obstétrica indireta o presente estudo encontrou como causas: outras doenças classificadas em outra parte (que pode ser por anemia, sistema circulatório, imunológico, respiratório), seguidas de hipertensão crônica, doenças infecciosas e parasitárias e doença pelo vírus da imunodeficiência humana. Na literatura, o número óbitos por causa indireta encontra-se mais elevado em hospitais de referência para gestação de alto risco.(22)

Mortes obstétricas indiretas poderiam ser evitadas com planejamento familiar e reprodutivo de qualidade. Os profissionais de saúde têm um papel importante no reconhecimento precoce de sinais e sintomas de complicações durante todo o ciclo grávido-puerperal. A utilização do histórico obstétrico da mulher pode ser uma ferramenta de risco preditivo na evitabilidade da morte materna.(13)Outros autores reforçam esse alerta, destacando patologias pregressas importantes para atenção na condução da gestação atual e parto, como a eclâmpsia, diabetes, obesidade e gestação múltipla, devido essas causas apresentarem maior associação com a morte materna indireta.(23)

Vários estudos demonstraram que a mortalidade materna está diretamente relacionada à qualidade dos cuidados médicos e obstétricos ofertados durante a gestação, parto e puerpério. Independentemente de outros fatores, é imprescindível a garantia de atenção obstétrica humanizada, especializada, com equipe qualificada e preparada para identificação e manejo de situações de emergências. Todas essas ações devem estar alinhadas a uma gestão focada na redução da morbimortalidade materna.(24,25)

No contexto das redes de atenção como arranjos organizativos de ações e serviços de saúde e tendo a regionalização como uma diretriz do SUS, focado na saúde da mulher, o cuidado à usuária deve ser integral, universal, resolutivo e descentralizado.(26) Desta forma, o DRS XIII, baseado nas recomendações da Rede Cegonha, criou a Rede Materna Regional, pactuada em instâncias colegiadas, reunindo gestores e técnicos de saúde, através de Câmaras Técnicas Regionais e Grupos Técnicos de Trabalho para avaliação e construção da mesma. A criação de colegiados, espaços coletivos de gestão e de mobilização tem sido uma das principais ofertas da Rede Cegonha para discussões técnicas e políticas pautadas na saúde das mulheres.

Conhecendo a estrutura de redes da região, o DRS XIII apresenta boa cobertura de atenção básica nas três regiões de saúde. Estudos referenciam a atenção primária como garantia de implementação de estratégias de promoção da saúde reprodutiva e sexual, atividades educativas relacionadas ao pré-natal, puerpério e planejamento familiar. Qualquer falha de assistência nessa estrutura pode ocasionar o aparecimento de complicações, contribuindo consequentemente para o surgimento da morbimortalidade materna.(25)

O DRS XIII conta ainda com uma rede hospitalar de 20 maternidades para atenção à gestação, e possui em seu território duas maternidades públicas para atendimento de alta complexidade. No Paraná, ao investigar a rede hospitalar de assistência ao parto com amplo atendimento regional e cobertura estadual, foi verificada elevada taxa de óbitos maternos evitáveis, o que permitiu inferir que prováveis falhas advinham de deficiência de infraestrutura adequada, capacitação dos profissionais, e deficiência de adoção de práticas baseadas em evidências científicas preconizadas por organismos internacionais e nacionais.(9)

No interior de Minas Gerais, pesquisadores avaliaram as expectativas e percepções de mulheres em relação ao parto, e o estudo evidenciou que as gestantes esperavam atendimento de qualidade, com profissionais humanos e acolhedores.(27) Tais expectativas e percepções vão de encontro a esta discussão, considerando que as mulheres também compreendem que quanto mais o serviço é especializado e qualificado menos chances de desfechos desfavoráveis.

Os resultados apresentados resumem que a morte materna continua sendo um desafio para a assistência obstétrica na região. É fundamental que os profissionais e instituições estejam adequados, comprometidos e alicerçados em evidências científicas, fazendo-se urgente e necessária a mudança de modelo assistencial prestado a essas mulheres e suas famílias.

Conclusão
O presente estudo mostrou que a maioria dos óbitos maternos ocorreu em mulheres na faixa etária de 20 a 29 anos, solteiras, de cor branca e primigestas. Foram perceptíveis a captação precoce e o adequado número de consultas durante o pré-natal. A classificação da maioria das mortes foi obstétrica direta, sendo hipertensão, infecção e hemorragia as principais causas. Foi possível conhecer a estrutura de redes e verificar uma boa cobertura de atenção primária e de atenção hospitalar para assistência ao parto na área de abrangência do DRS XIII.
 

Fonte:
Acta Paulista de Enfermagem ; 2023. DOI: doi.org/10.37689/acta-ape/2022AO00251 .