Fatores associados à mortalidade perinatal em uma capital do Nordeste brasileiro.

Sara Costa Serra ; Carolina Abreu de Carvalho ; Rosangela Fernandes Lucena Batista ; Erika Bárbara Abreu Fonseca Thomaz ; Poliana Cristina de Almeida Fonseca Viola ; Antônio Augusto Moura da Silva ; Vanda Maria Ferreira Simões
Resumo Original:

Resumo
O objetivo do estudo foi avaliar os fatores sociodemográficos, maternos e do recém-nascido associados à mortalidade perinatal em São Luís, Maranhão. Os óbitos perinatais foram identificados na coorte e pelo Sistema de Informações sobre Mortalidade. Foram incluídos 5.236 nascimentos, sendo 70 óbitos fetais e 36 neonatais precoces. Para investigar os fatores associados utilizou-se análise de regressão logística com modelo hierarquizado. O coeficiente de mortalidade perinatal foi 20,2 por mil nascimentos. A baixa escolaridade materna e a ausência de companheiro foram associadas a maior chance de óbito perinatal. A família ser chefiada por outros familiares foi fator de proteção. Tiveram maior chance de óbito perinatal filhos de mães que não realizaram pelo menos seis consultas de pré-natal (OR=4,61; IC95%:2,43-8,74) e com gravidez múltipla (OR=9,15; IC95%:4,08-20,53). Presença de malformações congênitas (OR=4,13; IC95%:1,23-13,82), nascimento pré-termo (OR= 3,36; IC95%: 1,56-7,22) e baixo peso ao nascer (BPN) (OR=11,87; IC95%:5,46-25,82) se associaram ao óbito perinatal. A mortalidade perinatal foi associada à vulnerabilidade social, não realização do número de consultas pré-natal recomendado, malformações congênitas, nascimento pré-termo e BPN.

Palavras-chave:
Mortalidade perinatal; Fatores de risco; Recém-nascido

Introdução
A mortalidade perinatal é definida como a morte de uma criança que ocorre durante a gestação (mortalidade fetal) ou até os primeiros sete dias após o seu nascimento (mortalidade neonatal precoce). Esta tem se mantido como um grande desafio na prática do cuidado às gestantes e a seus conceptos, em todo o mundo, particularmente para os países de média e baixa renda1.

No Brasil, desigualdades socioeconômicas e regionais influenciam as taxas de mortalidade perinatal, que são mais elevadas nas regiões de maior vulnerabilidade socioeconômica2,3. Além disso, nota-se que, apesar de ter ocorrido redução desse indicador de mortalidade ao longo do tempo, essa diminuição é mais lenta do que em outros indicadores, tais como a mortalidade infantil4.

A mortalidade perinatal tem sido recomendada como o indicador mais apropriado para se avaliar a qualidade da assistência pré-natal e neonatal, bem como a utilização de serviços de saúde3. Falhas na detecção precoce de doenças gestacionais, seu manejo e tratamento, bem como na prevenção de intercorrências durante a gestação, parto e puerpério são causas de morte evitáveis que contribuem para que, apesar das reduções na taxa de mortalidade perinatal, esta ainda seja uma preocupação no âmbito saúde pública no Brasil5.

É sabido que ainda existem problemas de subnotificação de óbitos perinatais no Brasil. Por isso, estudar esse indicador a partir de informações obtidas em pesquisas de base populacional pode ajudar na obtenção de estimativas mais precisas6,7. Ademais, há indisponibilidade de uma série de importantes variáveis associadas à mortalidade perinatal, cujo estudo poderia contribuir para melhoria da efetividade de políticas de assistência perinatal e da assistência pré-natal8,9. Esses fatores contribuem para a existência de poucas publicações no Brasil sobre os fatores associados à mortalidade perinatal. Investigações realizadas no Brasil apontaram que o baixo nível socioeconômico, idade da mãe elevada, baixo peso ao nascer e prematuridade são fatores associados à mortalidade perinatal2,10,11. Não está claro se esses fatores podem variar significativamente de acordo com o nível de desenvolvimento local e acesso a serviços de saúde, os quais apresentam diferenças importantes entre as regiões do Brasil12.

O estudo dos fatores associados à mortalidade perinatal permite a formulação de estratégias que contribuam para reduções mais efetivas neste indicador de mortalidade, que é considerado um dos mais difíceis de serem reduzidos. Nesse contexto, o objetivo desta pesquisa é avaliar os fatores sociodemográficos, maternos e do recém-nascido associados à mortalidade perinatal em São Luís, Maranhão.

Métodos
Trata-se de um estudo com delineamento transversal, parte de uma coorte de base populacional, iniciada em 2010, intitulada “Fatores etiológicos do nascimento pré-termo e consequências dos fatores perinatais na saúde da criança: coorte de nascimento em duas cidades brasileiras” - BRISA, que estuda os nascimentos da cidade de São Luís e Ribeirão Preto. O objeto de estudo desta pesquisa foram os óbitos perinatais ocorridos no município de São Luís, identificados nesta coorte de nascimento em 2010.

São Luís é a capital do estado do Maranhão, cuja população em 2010 era de 1.014.837 habitantes. Está localizada na região Nordeste, uma das mais pobres do país. Possui índice de desenvolvimento humano (IDH) de 0,768, o que a deixa na 14a posição entre as capitais do Brasil, atrás de todas as capitais das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste do país13.

A coorte de nascimentos de São Luís foi realizada de primeiro de janeiro a 31 de dezembro de 2010 e incluiu nascimentos em serviços públicos e privados, cujas instituições realizavam pelo menos cem partos por ano. Neste ano, 98% dos partos foram hospitalares e as maternidades não incluídas no estudo foram responsáveis por apenas 3,3% dos partos ocorridos na cidade. A amostra do estudo foi estratificada por maternidade com partilha proporcional ao número de partos e, em cada maternidade, ela foi sistemática. Cada hospital pesquisado possuía um número causal de início (número sorteado de um a três) com intervalo de amostragem de três, isto é, uma em cada três mulheres eram entrevistadas. Foi estabelecida uma ficha de controle de nascimento e entrevista onde o cadastramento dos nascimentos era feito por ordem de ocorrência, a partir da hora do nascimento, incluindo os recém-nascidos vivos e mortos. Houve 4,6% de perdas por recusas da mãe em participar ou devido à alta precoce, o que resultou em uma amostra final de 5.236 nascimentos14.

Foram incluídos neste estudo apenas recém-nascidos cujas mães eram residentes na cidade de São Luís nos últimos três meses. Em 2010, o Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SINASC) registrou 17.544 nascidos vivos e mortos em São Luís (por local de residência), portanto, a amostra final da coorte representou 29,8% dos nascimentos ocorridos na cidade.

As entrevistas foram realizadas nas primeiras 24 horas depois do parto, a partir de dois questionários padronizados para obter informações sobre a gestação, a mãe e o recém-nascido. O peso ao nascer foi obtido a partir do prontuário médico das mães. A idade gestacional foi coletada de duas maneiras: a partir da informação da mãe sobre a data da última menstruação (DUM) e também por meio da coleta do prontuário médico. Essas informações foram comparadas e, quando houve diferença, a DUM reportada pela mãe foi priorizada. Todos os questionários foram aplicados por profissionais treinados, após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

A variável dependente foi o óbito perinatal. Este foi definido como o óbito do feto ou recém-nascido ocorrido no período de 22 semanas de gestação a menos de sete dias de vida pós-natal1. Esses óbitos foram identificados por meio da coorte BRISA e pela confirmação do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) de 2010 do município de São Luís. Para a detecção da mortalidade neonatal precoce foi desenvolvido um cruzamento entre os bancos de dados da coorte BRISA e do SIM. O banco de dados com as informações do SIM foi cedido pela Secretaria Estadual de Saúde do Maranhão, mediante solicitação formal da equipe de pesquisa. Foi utilizado linkage por meio do software Data Link. Para identificar os óbitos infantis, os filtros foram aplicados por idade (código <400) e cidade São Luís (código 211130). Após o filtro, foram inseridas as informações para a ligação entre os bancos (nome da mãe, sexo do recém-nascido, data de nascimento e peso ao nascer). Após essa etapa, o programa gerou uma tabela com as possíveis ligações e só então foram avaliadas se estas eram verdadeiras. Para identificação dos natimortos, foi modificada apenas a idade no filtro. Foi informado tipo de óbito=1, que é o código correspondente ao óbito fetal na Declaração de óbito. As etapas de ligação e verificação foram feitas da mesma forma descrita anteriormente para o óbito neonatal precoce.

O SIM registrou 398 óbitos perinatais em São Luís no ano de 2010. Através do cruzamento dos bancos de informações foi possível detectar 106 óbitos perinatais (26,6% dos óbitos perinatais ocorridos na cidade), sendo 70 óbitos fetais e 36 óbitos neonatais precoces. Destes, 46 óbitos fetais foram identificados na coorte de nascimento no momento da entrevista no hospital e 24 óbitos fetais rastreados apenas pelo SIM, posteriormente. Todos os 36 óbitos neonatais precoces foram identificados em momento posterior à entrevista, por meio do banco de dados do SIM.

As variáveis explanatórias investigadas foram divididas em três níveis, a partir de um modelo teórico hierarquizado (Figura 1). O uso do modelo hierarquizado aponta que as complexas inter-relações entre as variáveis sejam consideradas, prioritariamente, do ponto de vista da plausibilidade teórica e não apenas da associação estatística entre as variáveis. Na análise a partir desse modelo, cada variável é interpretada em seu próprio nível, e não em níveis posteriores, a fim de evitar que seu efeito seja subestimado devido à presença de mediadores15. No modelo hierarquizado do presente estudo assumiu-se que variáveis socioeconômicas e demográficas (nível distal) influenciam nas características maternas e reprodutivas (nível intermediário), que, por sua vez, influenciam as características biológicas do recém-nascido (nível proximal), atuando sobre o desfecho.

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Figura 1
Modelo hierarquizado para a análise da mortalidade perinatal.
O nível 1 incluiu dados socioeconômicos e demográficos, sendo analisado o sexo do recém-nascido, a escolaridade materna (0-4 anos, 5-8 anos, 9-11 anos, >12anos), renda familiar em reais (categorizada em tercis - alto, médio e baixo), a situação conjugal da mãe (com ou sem companheiro), chefe da família (foi considerado chefe da família a pessoa de maior renda: mãe, companheiro, outros) e cor da pele (branca e não branca). A cor da pele registrada foi autorreferida. Para a situação conjugal foram consideradas com companheiro as mães casadas ou vivendo em união consensual e sem companheiro as que relataram ser solteira, divorciada ou viúva.

O nível 2 incluiu características maternas e reprodutivas como variáveis intermediárias. Foi investigado o fumo durante a gestação (sim ou não), a idade materna (< 20 anos, 20 - 34 anos e >=35 anos), a paridade (1 parto, 2-4 partos, >= 5 partos), ocorrência de aborto anterior (sim ou não), recém-nascido pré-termo anterior (sim ou não), número de consultas de pré-natal (>=6 e <6), tipo de parto realizado (vaginal e cesáreo), tipo de gravidez (única ou múltipla) e tipo de hospital onde foi realizado o parto (Público ou Privado).

O nível 3 incluiu como variáveis proximais a presença de malformações congênitas, o nascimento pré-termo e o peso ao nascer como características do recém-nascido. A presença de malformações congênitas foi autorreferida pela mãe. Recém-nascidos com menos de 2.500 gramas foram classificados com baixo peso ao nascer. O nascimento pré-termo foi considerado quando o recém-nascido tinha idade gestacional menor que 37 semanas.

Para a análise estatística utilizou-se o Programa Stata® versão 14.0. Após a categorização das variáveis de interesse, os dados utilizados no estudo foram descritos por meio de frequências relativas e absolutas. Foi ajustado um modelo de regressão logística simples e, posteriormente, um hierarquizado, para se associar as variáveis independentes com o óbito perinatal. O nível de significância utilizado foi de 5%.

Para analisar os fatores associados à mortalidade perinatal foi utilizada a análise de regressão logística múltipla com inserção de variáveis por níveis de acordo com o modelo teórico hierarquizado. As variáveis que apresentaram p-valor<0,10 em seu nível foram incluídas no nível seguinte. Essa estratégia foi utilizada para verificar dentre as variáveis do modelo teórico quais eram as preditoras potenciais, uma vez que o uso de muitas variáveis no modelo múltiplo pode diluir associações verdadeira e levar a intervalos de confiança amplos e imprecisos, além da possibilidade da identificação de associações espúrias16. Destaca-se que em todas as etapas sempre foi considerada a plausibilidade clínica e científica das associações encontradas. O efeito de cada variável sobre o desfecho foi avaliado unicamente em seu próprio nível e foram consideradas associadas as variáveis que apresentaram p-valor<0,05.

A pesquisa atendeu aos requisitos fundamentais da Resolução 196/96 e suas complementares do Conselho Nacional de Saúde, sendo aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão sob o protocolo de número 4771/2008-30.

Resultados
O coeficiente de mortalidade perinatal foi de 20,2 por mil nascimentos e os óbitos fetais representaram 66% dos óbitos perinatais (Tabela 1).

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Tabela 1
Mortalidade perinatal em São Luís, Maranhão, Brasil, 2010.
Na análise bivariada, a chance de óbito perinatal foi menor entre famílias chefiadas pelo companheiro ou outro familiar que não a mãe do recém-nascido (Tabela 2). A chance de óbito perinatal foi maior entre mulheres com menos de quatro anos de estudo (OR: 4,90; IC95%: 1,80 - 13,32), sem companheiro (OR: 2,16; IC95%: 1,36 - 3,43) e em famílias com renda familiar no tercil médio (OR: 2,75; IC95%: 1,33 - 5,73) ou baixo (OR: 2,69; IC95%: 1,30 - 5,59).

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Tabela 2
Características socioeconômicas (nível 1) de acordo com a ocorrência de óbito perinatal. São Luís, Maranhão, Brasil, 2010.
Em relação às características maternas e reprodutivas, houve maior chance de óbito perinatal entre recém-nascidos de mães que fumaram durante a gestação (OR: 2,60; IC95%: 1,24 - 5,46), que fizeram menos de seis consultas de pré-natal (OR: 6,00; IC95%: 3,53 - 10,18), que já haviam tido mais de cinco partos (OR: 2,67; IC95%: 1,23 - 5,77), com gravidez múltipla (OR: 9,60; IC95%: 5,03 - 18,33) e que realizaram o parto em hospital público (OR: 5,01; IC95%: 1,58 - 15,91). Por outro lado, a chance de óbito perinatal mostrou-se menor entre filhos de mães que tiveram parto cesáreo (OR: 0,45; IC95%: 0,28 - 0,73) (Tabela 3). A presença de malformação congênita, nascimento pré-termo e baixo peso ao nascer foram características do recém-nascido que se associaram à maior chance de óbito perinatal na análise bivariada (Tabela 3).

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Tabela 3
Características maternas, da gestação (nível intermediário) e do recém-nascido (nível proximal) de acordo com a ocorrência de óbito perinatal. São Luís, Maranhão, Brasil, 2010.
Na análise múltipla, após o ajuste para as variáveis de cada nível, a chance de óbito perinatal foi quase quatro vezes maior entre recém-nascidos de mães com escolaridade menor que quatro anos (OR: 3,86; IC95%: 1,14 - 13,03) e 2,44 vezes maior nas sem companheiro (OR: 2,44; IC95%: 1,00 - 5,93). Os recém-nascidos de famílias chefiadas por outro familiar (OR: 0,29; IC95%: 0,12 - 0,67) tiveram menor chance de óbito perinatal em comparação aos de famílias em que a mãe era a chefe.

A realização de menos de seis consultas de pré-natal pela mãe (OR: 4,61; IC95%: 2,43 - 8,74) e ter gravidez múltipla (OR: 9,15; IC95%: 4,08 - 20,53) foram fatores associados a maior chance de óbito perinatal. A presença de malformação congênita (OR: 4,13; IC95%: 1,23 - 13,82), nascimento pré-termo (OR: 3,36; IC95%: 1,56 - 7,22) e baixo peso ao nascer (OR: 11,87; IC95%: 5,46 - 25,82) foram características dos recém-nascidos que se associaram à maior chance de ocorrência do óbito perinatal no modelo final (Tabela 4).

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Tabela 4
Resultados do modelo de regressão logística múltiplo - fatores associados à mortalidade perinatal. São Luís, Maranhão, Brasil, 2010.
Discussão
O coeficiente de mortalidade perinatal em São Luís foi de 20,2 por mil nascimentos e os fatores de risco associados a este desfecho foram a baixa escolaridade materna, mães como chefe de família, mães sem companheiro, a não realização de pelo menos seis consultas de pré-natal, a presença de malformação congênita, nascimento pré-termo e baixo peso ao nascer.

O coeficiente de mortalidade perinatal encontrado do presente estudo é semelhante à média da região Nordeste (20,9 por mil) em 2009, mas ainda é maior que a média nacional (17,3 por mil nascimentos) e que valores registrados em regiões mais desenvolvidas como a Sul (13,9 por mil nascimentos). Coeficientes similares foram observados em outras capitais do Nordeste, como Recife (16,6 por mil nascimentos)10 e Salvador (19,2 por mil nascimentos)2.

Em estudo realizado por Carvalho e colaboradores4 foram analisadas mudanças em indicadores de mortalidade infantil nas coortes de nascimento das cidades de Ribeirão Preto, Pelotas e São Luís. Este estudo evidenciou a significativa redução da mortalidade perinatal nas cidades de Ribeirão Preto (de 42,1 por mil nascimentos em 1978/79 para 10,6 por mil nascimentos em 2010) e Pelotas (de 32,2 por mil nascimentos em 1982 para 18,0 por mil nascimentos em 1993). Entretanto, em períodos mais recentes, a redução em Ribeirão Preto foi de menor magnitude e em Pelotas houve estagnação desse indicador de mortalidade. Em São Luís, de 1997-1998 a 2010, houve redução de 44,8% no coeficiente de mortalidade perinatal, passando de 36,6 para 20,2 por mil nascimentos. Entre essas três cidades, São Luís foi a que apresentou o maior coeficiente de mortalidade perinatal no último período estudado4. Portanto, apesar da tendência de redução da mortalidade perinatal em São Luís, este indicador ainda apresenta coeficientes muito elevados, sobretudo, quando comparados aos observados em cidades na região Sul e Sudeste do Brasil, a exemplo de Curitiba, São Paulo e Ribeirão Preto4,17,18.

Observa-se que as variações nos coeficientes de mortalidade perinatal são sensíveis às condições de desenvolvimento do local onde ocorre a investigação. Países africanos, com baixo nível de desenvolvimento, como a Etiópia, apresentam coeficientes de mortalidade perinatal muito elevados (41,0 por mil nascimentos). Por outro lado, países de alta renda possuem taxas em torno de 6,0 por mil nascimentos19. As grandes diferenças podem estar relacionadas às desigualdades socioeconômicas e de acesso aos serviços de saúde, que implicam em distintos níveis de acesso a cuidado pré-natal e perinatal19. Portanto, o coeficiente de mortalidade perinatal observado na cidade de São Luís é bem mais alto quando comparado ao de países de alta renda.

Observamos o impacto das desigualdades socioeconômicas, uma vez que recém-nascidos de mães com menos anos de estudo tiveram maior chance de óbito perinatal. Kale e colaboradores20, ao analisarem a evolução da mortalidade fetal e neonatal no Rio de janeiro de 2000 a 2018, observaram que o grupo de baixa escolaridade foi o único a apresentar taxas elevadas e crescentes, evidenciando a desigualdade social em saúde. A baixa escolaridade pode comprometer a aquisição e a compreensão de informações importantes sobre cuidados em saúde, particularmente, durante o pré-natal. Além disso, com o crescimento do nível de educação da população, mulheres pertencentes a categorias extremas de baixa escolaridade tornam-se um grupo com maior concentração de fatores de risco21.

Entre mães que eram chefes de família e as que não tinham companheiro observou-se maior vulnerabilidade para a ocorrência de óbitos perinatais. É provável que essas condições exponham essas mulheres a uma sobrecarga de funções domésticas, cuidados com filhos e busca por provimentos para o domicílio, além da falta de suporte emocional que pode acarretar riscos psicossociais22.

A não realização de pelo menos seis consultas de pré-natal foi considerado fator associado à mortalidade perinatal no presente estudo. Berhan & Berhan23 e Wondemagegn e colaboradores24 demonstraram em metanálises, que mulheres que realizaram pré-natal adequado tiveram redução significativa da taxa de mortalidade perinatal. Mulheres que realizam pré-natal têm maior probabilidade de diagnosticar precocemente doenças gestacionais e alterações fetais, além de ajudar a diminuir as barreiras entre as gestantes e os serviços de saúde especializados25. Além disso, as consultas de pré-natal são um momento de aprendizagem no qual os profissionais de saúde podem intervir e disseminar informações sobre alertas de risco durante a gestação, bem como práticas de saúde e amamentação adequadas no pós parto24. Portanto, quando desenvolvido de forma adequada, o pré-natal pode influenciar positivamente a saúde materna e infantil, aumentando a possibilidade de sobrevivência do recém-nascido26.

Vale destacar que, além do cumprimento do número recomendado de consultas de pré-natal, outros aspectos também são importantes, especialmente no que se refere à qualidade do pré-natal realizado. Estudo de Martins27, em Belo Horizonte, evidenciou que falhas no pré-natal estavam entre as principais causas de mortalidade perinatal, especialmente, no que se refere ao seu início tardio, ao não seguimento de protocolos municipais quanto ao intervalo de consultas, realização de exames, procedimentos e encaminhamentos recomendados, e falhas no controle de doenças e infecções durante a gestação. Nos últimos anos, o Brasil praticamente universalizou a realização de pré-natal, por isso, agora é importante que se invista na melhoria da qualidade do pré-natal ofertado, pois é provável que essa medida ajude a reduzir ainda mais a mortalidade perinatal28.

A gravidez múltipla é reconhecidamente um importante fator de risco para o óbito perinatal e esta associação foi identificada no presente estudo. A gravidez múltipla aumenta o risco de restrição de crescimento intrauterino, ruptura prematura de membranas e nascimento pré-termo, aumentando a ocorrência de morbidades e mortalidade no período perinatal29,30. Portanto, é fundamental que essas gestações sejam cuidadosamente acompanhadas, com a realização de um pré-natal e assistência ao parto de qualidade, bem como o suporte pós-natal oportuno.

O nascimento pré-termo e as malformações congênitas foram associados à mortalidade perinatal neste estudo. Complicações do nascimento pré-termo são a principal causa de mortalidade infantil no mundo. Síndrome do desconforto respiratório, displasia broncopulmonar, enterocolite necrosante, sepse periventricular, leucomalacia, são algumas das complicações que podem comprometer a vida de recém-nascidos que sobrevivem ao parto pré-termo, aumentando as chances de óbito31. Em estudo realizado na Holanda, o nascimento pré-termo foi o fator de risco de maior magnitude sobre a mortalidade perinatal, seguido da presença de anormalidades congênitas e restrição de crescimento intrauterino32. O Brasil ainda precisa avançar na redução das taxas de nascimento pré-termo, pois intervenções recentes não têm apresentado grande impacto na redução desse indicador. Na Europa, alguns países têm promovido mudanças em políticas de gestão ativa de partos pré-termo e melhorias na qualidade e eficácia do atendimento médico, resultando em aumento da sobrevida sem elevação da morbidade hospitalar33.

As malformações congênitas são consideradas a segunda causa de mortalidade infantil no Brasil, atrás apenas do nascimento pré-termo. As anormalidades estruturais, funcionais e desordens metabólicas causadas por malformações congênitas podem resultar em abortos espontâneos ou inviabilizar a vida pós natal. Além disso, esta condição pode estar associada ao nascimento pré-termo e baixo peso ao nascer, aumentando o risco de óbito do recém-nascido34.

O baixo peso ao nascer aumentou a chance de óbito perinatal, resultado esperado, visto que este é considerado um dos mais importantes fatores determinantes deste tipo de óbito10,35. O baixo peso ao nascer está associado a condições clínicas de risco para o recém-nascido, como o nascimento pré-termo e o crescimento intrauterino restrito. Condições socioeconômicas desfavoráveis e falhas no cuidado pré-natal também podem estar na gênese do baixo peso ao nascer36, o que aumenta o risco de mortalidade infantil35.

Entre os pontos fortes deste estudo encontram-se o fato de ter usado dados de uma grande coorte de nascimento, com amostragem sistemática e de base populacional. Além da disponibilidade de grande número de informações sobre variáveis que puderam ser investigadas como fatores de risco para a mortalidade perinatal. Como limitação, destaca-se a ausência de informações sobre as variáveis para 24 óbitos perinatais, identificados somente no banco de dados do SIM. Além disso, como a maioria das informações foi obtida por relato da mãe, existe a possibilidade da ocorrência de viés de memória. O fato de as maternidades com menos de cem nascimentos por ano não terem sido incluídas na amostra pode ter levado à subnotificação de óbitos perinatais na amostra. Entretanto, acreditamos que o efeito disso seja mínimo, uma vez que apenas 3,3% dos partos em 2010 na cidade de São Luís ocorreram nessas maternidades.

Os resultados do presente estudo apontam fatores de risco para a mortalidade perinatal, um dos indicadores de mortalidade infantil de mais difícil redução no Brasil. Apesar de a literatura relatar a redução da mortalidade perinatal no Brasil e na cidade de São Luís, observamos que o coeficiente de mortalidade perinatal na cidade ainda é elevado quando comparado a outras cidades do país e, ainda mais, a países de alta renda. Conhecer os fatores associados a este indicador de mortalidade permite auxiliar o direcionamento de políticas públicas na busca por ações mais efetivas na redução da mortalidade perinatal.

Assim, destaca-se a importância de investir na modificação de fatores de risco que vão desde os socioeconômicos, que exigem mudanças mais estruturantes de desenvolvimento humano e social, até fatores ligados à atenção pré-natal e as características da gestação e dos recém-nascidos, tais como gravidez múltipla, malformações congênitas, nascimento pré-termo e baixo peso ao nascer. Portanto, a realização do calendário mínimo de consultas de pré-natal deve ser monitorada e ter qualidade suficiente para garantir a detecção precoce de morbidades gestacionais e malformações congênitas. O acompanhamento pré-natal adequado pode contribuir para a intervenção em fatores de risco comportamentais, controle de infecções e morbidades maternas, ajudando a reduzir a ocorrência de desfechos adversos ao recém-nascido, como o nascimento pré-termo e o baixo peso ao nascer. Além disso, é importante reforçar a necessidade da racionalização da intervenção médica, a fim de evitar a prematuridade iatrogênica.

Fonte:
Ciência & Saúde Coletiva ; 27: 04; 2023. DOI: doi.org/10.1590/1413-81232022274.07882021.