Processos por má prática médica e qualidade do cuidado de saúde: uma revisão

Mello MM ; Frakes MD ; Blumenkranz E ; Studdert DM
Título original:
Malpractice Liability and Health Care Quality: A Review
Resumo:

Importância: O sistema de responsabilidade civil visa cumprir 3 funções: indenizar os pacientes que sofrem lesões por negligência, garantir a justiça corretiva e dissuadir a negligência. A dissuasão, em tese, ocorre porque os profissionais sabem que podem sofrer consequências adversas se causarem danos aos pacientes por negligência. Objetivo: Rever os resultados empíricos sobre a associação entre o risco de um processo por má prática médica (isto é, em que medida os profissionais enfrentam a ameaça de serem processados e de terem que pagar indenizações) e a qualidade e segurança do cuidado de saúde. Fontes de dados e seleção de estudos: Pesquisa sistemática de diversas bases de dados em busca de estudos publicados entre 1 de janeiro de 1990 e 25 de novembro de 2019, examinando a relação entre indicadores do risco de processos por má prática médica e os resultados do cuidado ou indicadores de estrutura e de processo para a qualidade do cuidado de saúde. Extração e síntese de dados: Dois revisores extraíram informações sobre os indicadores de exposição e de desfecho, os resultados e as limitações reconhecidas nos estudos. O agrupamento meta-analítico não foi possível devido a variações nos desenhos dos estudos; por isso, os estudos foram resumidos de forma descritiva e avaliados qualitativamente. Desfechos principais: Associações entre indicadores do risco de processos judiciais e desfechos de qualidade e segurança no cuidado de saúde. Os indicadores de exposição incluíram os preços dos seguros contra processos judiciais, reformas na legislação de responsabilidade civil, a frequência de indenizações pagas, o valor médio das indenizações, o histórico de processos judiciais contra médicos, as indenizações totais por má prática médica, as decisões dos júris, a existência de imunidade contra processos por má prática, o índice de custos geográficos dos processos por má prática médica dos Centers for Medicare & Medicaid Services e medidas compostas que combinaram estes indicadores. Os indicadores de desfecho incluíram a mortalidade de pacientes, reinternações hospitalares, internações evitáveis, prolongamento do tempo de internação, realização de rastreamento do câncer, indicadores de segurança do paciente da Agency for Healthcare Research and Quality e outras medidas de eventos adversos, medidas de qualidade em hospitais e instituições de longa permanência e a satisfação dos pacientes. Resultados: Incluímos um total de 37 estudos; 28 examinaram apenas o cuidado hospitalar, e 16 examinaram o cuidado obstétrico. Entre os estudos sobre o cuidado obstétrico, 9 não encontraram associações significativas entre o risco de processos judiciais e os resultados (como o escore Apgar e lesões durante o parto), e 7 encontraram evidências limitadas de uma associação. Entre 20 estudos sobre a mortalidade de pacientes em ambientes não obstétricos, 15 não encontraram evidências de uma associação com o risco de processos judiciais e 5 encontraram evidências limitadas. Entre os 7 estudos que examinaram as reinternações hospitalares e as internações iniciais evitáveis, nenhum encontrou evidências de uma associação entre o risco de processos judiciais e os resultados. Entre 12 estudos que examinaram outros indicadores (como indicadores de segurança do paciente, medidas da qualidade dos processos de cuidado, satisfação dos pacientes), 7 não encontraram associações entre o risco de processos judiciais e os resultados, e 5 identificaram associações significativas em algumas análises. Conclusões e relevância: Nesta revisão sistemática, a maioria dos estudos não encontrou associações entre indicadores do risco de processos judiciais por má prática médica e a qualidade ou os resultados do cuidado de saúde. Embora ainda existam lacunas nas evidências, os resultados disponíveis sugerem que um maior risco de processos judiciais, pelo menos na sua forma atual, não está associado a uma maior qualidade do cuidado de saúde.
 

Resumo Original:

The tort liability system is intended to serve 3 functions: compensate patients who sustain injury from negligence, provide corrective justice, and deter negligence. Deterrence, in theory, occurs because clinicians know that they may experience adverse consequences if they negligently injure patients. Objective: To review empirical findings regarding the association between malpractice liability risk (ie, the extent to which clinicians face the threat of being sued and having to pay damages) and health care quality and safety. Data Sources and Study Selection: Systematic search of multiple databases for studies published between January 1, 1990, and November 25, 2019, examining the relationship between malpractice liability risk measures and health outcomes or structural and process indicators of health care quality. Data Extraction and Synthesis: Information on the exposure and outcome measures, results, and acknowledged limitations was extracted by 2 reviewers. Meta-analytic pooling was not possible due to variations in study designs; therefore, studies were summarized descriptively and assessed qualitatively. Main Outcomes and Measures: Associations between malpractice risk measures and health care quality and safety outcomes. Exposure measures included physicians' malpractice insurance premiums, state tort reforms, frequency of paid claims, average claim payment, physicians' claims history, total malpractice payments, jury awards, the presence of an immunity from malpractice liability, the Centers for Medicare & Medicaid Services' Medicare malpractice geographic practice cost index, and composite measures combining these measures. Outcome measures included patient mortality; hospital readmissions, avoidable admissions, and prolonged length of stay; receipt of cancer screening; Agency for Healthcare Research and Quality patient safety indicators and other measures of adverse events; measures of hospital and nursing home quality; and patient satisfaction. Results: Thirty-seven studies were included; 28 examined hospital care only and 16 focused on obstetrical care. Among obstetrical care studies, 9 found no significant association between liability risk and outcomes (such as Apgar score and birth injuries) and 7 found limited evidence for an association. Among 20 studies of patient mortality in nonobstetrical care settings, 15 found no evidence of an association with liability risk and 5 found limited evidence. Among 7 studies that examined hospital readmissions and avoidable initial hospitalizations, none found evidence of an association between liability risk and outcomes. Among 12 studies of other measures (eg, patient safety indicators, process-of-care quality measures, patient satisfaction), 7 found no association between liability risk and these outcomes and 5 identified significant associations in some analyses. Conclusions and Relevance: In this systematic review, most studies found no association between measures of malpractice liability risk and health care quality and outcomes. Although gaps in the evidence remain, the available findings suggested that greater tort liability, at least in its current form, was not associated with improved quality of care.
 

Fonte:
JAMA Internal Medicine ; 323(4): 352-366; 2020. DOI: 10.1001/jama.2019.21411..