Segurança do paciente: escopo do problema e história

LEAPE, L.
Título original:
Scope of Problem and History of Patient Safety
Resumo:

Inicialmente o autor pondera a dificuldade de delimitação do escopo do problema da segurança do paciente em função de vários fatores: modo como a informação é obtida; como e quem determina que o paciente sofreu uma lesão causada por erro ou outra falha no cuidado; baixa notificação dos erros fruto da cultura tradicional punitiva; e o fato de que muitos erros não são reconhecidos, mesmo quando eles causam dano, indicando que é difícil obter estimativa confiável dos erros.

Segundo o Instituto de Medicina dos Estados Unidos (Institute of Medicine - IOM) a definição de segurança é a ausência de lesão acidental e não a ausência de erros. Assim, especialistas acreditam que é mais viável e produtivo focar sobre o número de lesões, não sobre os erros. Contudo, mesmo essa abordagem representa um desafio, pois, nos EUA, a estimativa anual do número de eventos adversos evitáveis varia entre de 1,3 milhões a 15 milhões. Em parte essa discrepância deve-se à conceituação. O estudo de Harvard - Medical Practice Study (MPS), mensurou somente lesão incapacitante, isto é aquelas que prolongam a permanência hospitalar ou resultam em incapacidade na alta - incluindo morte. O Instituto de Melhoria da Qualidade do Cuidado à Saúde (Institute of Healthcare Improvement-IHI) busca identificar todas as lesões sofridas por pacientes hospitalizados, incluindo náusea e vômito causados por erro na dosagem de medicamento. Outro grande responsável pela discrepância dos resultados é o método usado para coletar dados sobre evento adverso: relato voluntário tradicionalmente usado ou revisão de prontuário aplicada nos estudos recentes. A escolha da fonte de informação implica num custo dessa coleta, mas nenhum método é visto como capaz de identificar todos os eventos adversos, muito menos erros.

O estudo de Harvard (MPS), que utilizou como metodologia a revisão de prontuários, é referência nesse campo e foi replicado em diversos países. O estudo mostrou que 3,7% dos pacientes hospitalizados sofreram EAs, dois terços dos quais evitáveis e 14% dos quais foram fatais. O consenso internacional é que aproximadamente 10% dos pacientes hospitalizados sofrem alguma lesão causada pelo tratamento, sendo metade dos casos evitáveis. Quando EAs específicos são estudados, a questão dos medicamentos se sobressai. Um estudo precursor encontrou que 6,5% dos pacientes internados sofreram lesão relacionada ao uso de medicamentos, dos quais 28% eram evitáveis. Baseado em outros estudos, estima-se que 1,5 milhões de pacientes nos EUA experimentam um EA por medicamento ao ano. Da mesma forma, estima-se que 1,7 milhões de pacientes internados adquiram infecção, sendo 99 mil destas fatais, e, em sua maioria, passíveis de prevenção. Quanto à cirurgia, estima-se que 3,5 milhões de pacientes sofrem EA posteriormente ao procedimento cirúrgico.

O autor ressalta que recentemente o Instituto de Melhoria da Qualidade do Cuidado à Saúde (Institute of Healthcare Improvement) (IHI) relatou o resultado do uso de indicadores ("trigger tools") para identificar EA. Esses indicadores são formados por critérios de rastreamento específicos que indicam algum contratempo, a partir do qual o caso é revisado para determinar se de fato houve um EA. Dados de hospitais que utilizam esse instrumento mostraram que 40% dos pacientes, ou seja, 15 milhões de norte-americanos dos Estados Unidos sofrem, por ano, um EA enquanto hospitalizados.

Quanto ao histórico do tema segurança do paciente, o autor reconhece que esse movimento surgiu em 1991 a partir da publicação dos resultados do Estudo de Harvard. Refere ainda a insuficiente repercussão deste estudo, apesar deste ter sido publicado no New England Journal of Medicine e divulgado na primeira página do New York Times. Destaca ainda que a sociedade médica se regozijou com "apenas" 1% de EA devido à negligência. Baseado nos achados foi feita uma única recomendação: para que o estado de Nova Iorque implementasse um plano de compensação para lesão causada pelo cuidado de saúde. A legislação foi proposta, mas questões conjunturais concorreram para que fosse ignorada. O reconhecimento de que EA eram causados por erros levaram à busca por métodos para reduzir esses erros, em especial nos campos da psicologia cognitiva e engenharia de fatores humanos (human factors engineering). Essa busca levou à conclusão de que os erros poderiam ser reduzidos pelo redesenho do sistema, à semelhança da reformulação que impactou a diminuição de acidentes em outras indústrias (aviação e energia nuclear).

Nesse histórico, o ano de 1995 é considerado um marco em decorrência da divulgação na mídia de vários casos de erros no cuidado de saúde, pois estes incentivaram o desenvolvimento de estudos, a realização de conferência sobre o assunto, a criação de organizações voltadas para tratar do tema da segurança e a instituição de estratégias para reduzir erros. Com a publicação do Relatório "Errar é Humano", pelo Institute of Medicine (IOM), em 1999, o problema da falta de segurança no cuidado ao paciente chamou a atenção dos profissionais de saúde, do público e das autoridades. O autor destaca que o IHI tem sido a mais poderosa força à frente de mudanças para a segurança do paciente, cujo começo é anterior à publicação do Errar é Humano. Sua principal atuação é ajudar hospitais a redesenharem seus sistemas para torná-los mais seguros, através da colaboração em diversas áreas, tais como medicação ou cuidado intensivo. Por fim, a criação da Aliança Mundial para a Segurança do Paciente (WHO World Alliance for Patient Safety)* expandiu para o mundo o foco na segurança do paciente. Desde então, várias campanhas têm sido promovidas com o objetivo de reduzir os EAs e salvar vidas.

Como conclusão, o autor coloca que, considerando os resultados alcançados, ainda que esteja avançando de forma lenta, pois requer uma mudança cultural, a possibilidade de um cuidado livre de lesão parece ser viável.

Fonte:
Obstet Gynecol Clin North Am ; 35(1): 1-10; 2008. DOI: 10.1016/j.ogc.2007.12.001.
DECS:
ginecologia, erros médicos, obstetrícia, qualidade da assistência a saúde, gestão da segurança