Vieses cognitivos associados a decisões clínicas: uma revisão sistemática

SAPOSNIK, G. ; REDELMEIER, D. ; RUFF, C. C. ; TOBLER, P. N.
Título original:
Cognitive biases associated with medical decisions: a systematic review
Resumo:

Contexto: Os vieses cognitivos e os traços de personalidade (aversão aos riscos ou ambiguidade) podem levar a imprecisões diagnósticas e erros no cuidado de saúde, resultando no mau gerenciamento ou na utilização inadequada dos recursos. Realizamos uma revisão sistemática com quatro objetivos: 1) identificar os vieses cognitivos mais comuns, 2) avaliar a influência dos vieses cognitivos sobre a precisão diagnóstica ou os erros no gerenciamento de casos, 3) determinar seu impacto sobre os resultados do cuidado e 4) identificar lacunas na literatura.

Métodos: Pesquisamos as bases de dados MEDLINE e Cochrane Library em busca de artigos relevantes sobre vieses cognitivos publicados entre 1980 e maio de 2015. Incluímos estudos em inglês realizados entre médicos que avaliassem ao menos um fator cognitivo usando vinhetas de casos ou cenários reais e relatassem um resultado associado. A qualidade dos dados foi avaliada com base na escala de Newcastle-Ottawa. Dentre as 114 publicações identificadas, 20 estudos, envolvendo 6.810 médicos, cumpriram os critérios de inclusão. Foram identificados 19 vieses cognitivos.

Resultados: Todos os estudos encontraram pelo menos um viés cognitivo ou traço de personalidade que afetou os médicos. O excesso de confiança, a baixa tolerância aos riscos, o efeito de ancoragem e os vieses de informação e disponibilidade estiveram associados a imprecisões diagnósticas em 36,5% a 77% dos cenários de casos. Ao todo, 5 dentre 7 (71,4%) estudos mostraram associações entre vieses cognitivos e erros terapêuticos ou de gerenciamento de caso. Entre os dois (10%) estudos que avaliaram o impacto dos vieses cognitivos ou traços de personalidade sobre os resultados do cuidado, apenas um mostrou que uma maior tolerância à ambiguidade estava associada a uma maior frequência de complicações clínicas (9,7% vs. 6,5%; p=0,004). A maioria dos estudos (60%) avaliou o efeito dos vieses cognitivos sobre as funções diagnósticas, enquanto um menor número se concentrou em seus efeitos sobre o tratamento ou o gerenciamento do caso (35%) e o prognóstico (10%). As lacunas na literatura incluem vieses potencialmente relevantes (por exemplo, viés de agregação, barreiras que dificultam/ impedem o feedback, viés retrospectivo) que não foram investigados nos estudos incluídos. Além disso, somente cinco (25%) estudos utilizaram diretrizes clínicas como base para determinar a ocorrência de erros de diagnóstico ou tratamento. A maioria dos estudos (n=12, 60%) foi classificada como de baixa qualidade.

Conclusões: O excesso de confiança, o efeito de ancoragem, os vieses de informação e disponibilidade e a tolerância aos riscos podem estar associados a imprecisões diagnósticas ou a um gerenciamento de casos abaixo do ideal. São necessários estudos mais abrangentes para determinar a prevalência dos vieses cognitivos e traços de personalidade e seu possível impacto sobre as decisões dos médicos, sobre os erros no cuidado de saúde e, por fim, sobre os resultados deste cuidado.

Resumo Original:

Backgroud: Cognitive biases and personality traits (aversion to risk or ambiguity) may lead to diagnostic inaccuracies and medical errors resulting in mismanagement or inadequate utilization of resources. We conducted a systematic review with four objectives: 1) to identify the most common cognitive biases, 2) to evaluate the influence of cognitive biases on diagnostic accuracy or management errors, 3) to determine their impact on patient outcomes, and 4) to identify literature gaps.

Methods: We searched MEDLINE and the Cochrane Library databases for relevant articles on cognitive biases from 1980 to May 2015. We included studies conducted in physicians that evaluated at least one cognitive factor using case-vignettes or real scenarios and reported an associated outcome written in English. Data quality was assessed by the Newcastle-Ottawa scale. Among 114 publications, 20 studies comprising 6810 physicians met the inclusion criteria. Nineteen cognitive biases were identified.

Results: All studies found at least one cognitive bias or personality trait to affect physicians. Overconfidence, lower tolerance to risk, the anchoring effect, and information and availability biases were associated with diagnostic inaccuracies in 36.5 to 77 % of case-scenarios. Five out of seven (71.4 %) studies showed an association between cognitive biases and therapeutic or management errors. Of two (10 %) studies evaluating the impact of cognitive biases or personality traits on patient outcomes, only one showed that higher tolerance to ambiguity was associated with increased medical complications (9.7 % vs 6.5 %; p = .004). Most studies (60 %) targeted cognitive biases in diagnostic tasks, fewer focused on treatment or management (35 %) and on prognosis (10 %). Literature gaps include potentially relevant biases (e.g. aggregate bias, feedback sanction, hindsight bias) not investigated in the included studies. Moreover, only five (25 %) studies used clinical guidelines as the framework to determine diagnostic or treatment errors. Most studies (n = 12, 60 %) were classified as low quality.

Conclusions: Overconfidence, the anchoring effect, information and availability bias, and tolerance to risk may be associated with diagnostic inaccuracies or suboptimal management. More comprehensive studies are needed to determine the prevalence of cognitive biases and personality traits and their potential impact on physicians' decisions, medical errors, and patient outcomes.

Keywords: Case-scenarios; Cognition; Cognitive bias; Decision making; Personality traits; Physicians; Systematic review

Fonte:
BMC medical informatics and decision making ; 16(1): 138; 2016. DOI: 10.1186/s12911-016-0377-1.