Entrevista com o médico Rodrigo Olmos, da Academia Brasileira de Medicina Hospitalar

Resumo: 

Por Isis Breves | Publicado em 24/11/2016

A Academia Brasileira de Medicina Hospitalar (ABMH) foi criada com o objetivo de promover os cuidados hospitalares de qualidade, baseados em evidência, custo-efetivos e seguros para pacientes hospitalizados. A ABMH aderiu à iniciativa Choosing Wisely Brasil (CWB) e apresentou suas recomendações e reflexões no 1º evento Científico do Choosing Wisely Brasil, que aconteceu no dia 20 de outubro como parte da programação do II Congresso Brasileiro de Médicos Hospitalistas. A lista estará disponível em breve no site do Proqualis, bem como no site da ABMH. 

O Proqualis entrevistou o médico Rodrigo Olmos da Academia Brasileira de Medicina Hospitalar um dos palestrantes do evento. “Os excessos de intervenções médicas desnecessárias ocorrem em todos os âmbitos da assistência à saúde, desde a atenção primária até as unidades de terapia intensiva. Entretanto são particularmente comuns e, a meu ver mais graves, no contexto das atividades preventivas”, falou Olmos sobre a apresentação que ministrou com o tema “Prevenir é sempre o melhor remédio? ”. 

Proqualis - Você publicou em uma rede social que a Medicina Hospitalar “pode ajudar a modificar o paradigma atual dos cuidados médicos, baseado, equivocadamente, nos cuidados pouco coordenados e nada integrais dos especialistas focais. As especialidades gerais precisam estar na base do sistema, de acordo com o contexto do cuidado! Os especialistas focais são fundamentais para qualquer sistema de saúde, mas não podem ser o primeiro contato com os pacientes”. Nesse sentido, poderia falar sobre a importância da Medicina Hospitalar para a Segurança do Paciente?

Rodrigo Olmos- Muito se tem falado da segurança do paciente, uma vez que há um grande número de incidentes que causam danos aos pacientes causados por falhas na assistência. Estes incidentes podem inclusive levar à morte. Cerca de 70% dos incidentes que causam danos são considerados evitáveis. Sem dúvida que este movimento é muito bem-vindo, entretanto não devemos esquecer que a melhor forma de evitar eventos ou falhas na assistência hospitalar é evitar que as pessoas sem indicação de internação sejam internadas e pessoas que necessitem de internação o façam pelo período mais breve possível. Neste sentido, a coordenação dos cuidados e o acompanhamento longitudinal por um médico generalista com boa formação é o primeiro passo para reduzir internações (tanto as necessárias como as desnecessárias). Este generalista é o especialista em Medicina de Família e Comunidade, é o especialista na atenção primária. Há várias evidências de que sistemas de saúde que tem uma atenção primária forte e bem organizada tem taxas menores de internações por condições sensíveis à atenção primária. Além disso, a alta hospitalar (nos casos que ela foi necessária) pode ser realizada de forma mais precoce, uma vez que o paciente tem um médico para dar continuidade nos cuidados após a alta. Já no ambiente hospitalar, a questão da coordenação dos cuidados por uma equipe de médicos hospitalistas (Medicina Hospitalar) também tem mostrado resultados excelentes em termos de redução de incidentes/falhas assistenciais, tempo de internação, dentre outros indicadores. A medicina hospitalar teria a função de coordenar todos os cuidados durante a internação hospitalar, o que, aliado a processos de segurança do paciente, reduziria a exposição dos doentes a situações com potencial de falhas assistenciais. Nunca é demais ressaltar, entretanto, o papel fundamental dos especialistas focais, tanto no contexto da atenção primária à saúde como no contexto hospitalar. A única ressalva se refere a qual lugar, na rede de assistência, estes profissionais estão alocados. Se eles estiverem no ponto de primeiro contato com o paciente, em geral, o sistema de saúde funcionará de forma menos custo-efetiva, e possivelmente com mais eventos adversos relacionados aos cuidados de saúde, pois há uma tendência inerente aos especialistas focais (e, na grande maioria das vezes, adequada) de serem mais intervencionistas/invasivos. O problema é quando esta forma de atuação acontece em pacientes com baixa probabilidade pré-teste de doença (primeiro contato dos pacientes), o que deixa as intervenções dos especialistas focais, em média, com menos valor preditivo e mais probabilidade de causar dano. Assim, idealmente os especialistas focais poderiam assumir um papel de interconsultores, como ocorre em países desenvolvidos com sistemas de saúde bem organizados. No caso dos pacientes internados, sabemos que cada vez mais são pacientes complexos com multimorbidades que internam por descompensação de um ou mais de seus problemas. Daí a importância fundamental de um médico com formação geral em ambiente hospitalar e pacientes complexos que coordene os cuidados. Basta imaginar a confusão que poderia ser um doente com sete comorbidades internado, sendo acompanhado por sete especialistas focais diferentes. Claro que para que estas considerações tenham valor analítico, tanto os médicos com formação geral (médicos de família, internistas gerais, emergencistas gerais, hospitalistas e intensivistas) como os especialistas focais (cardiologistas, endocrinologistas, reumatologistas, urologistas, ginecologistas, etc) precisam ter uma sólida formação de qualidade. Não seria correto fazer comparações entre especialistas focais com boa formação (pois em geral fazem residência médica) e generalistas sem formação ou com formação aquém do desejado (em geral não fazem residência), o que ocorre frequentemente no Brasil, pois a Residência Médica não é obrigatória e não há vagas suficientes para todos os egressos das inúmeras faculdades de medicina. 

Proqualis - A Academia Brasileira de Medicina Hospitalar (ABMH) foi criada com o objetivo de promover os cuidados hospitalares de qualidade, baseados em evidência, custo-efetivos e seguros para pacientes hospitalizados. A ABMH aderiu à iniciativa Choosing Wisely Brasil. Poderia falar sobre a lista de recomendações que coordenou e onde podemos ter acesso a mesma?

Rodrigo Olmos- A criação das listas de recomendação do que não fazer ou evitar, do Choosing Wisely, tem que necessariamente partir dos profissionais que geralmente executam as intervenções ou procedimentos em questão, quase como uma autocrítica sobre uma prática talvez excessiva. As recomendações devem focar em intervenções/procedimentos/tratamentos popularmente realizados ou prescritos, mas cujo benefício líquido (benefício menos dano) ou o custo-efetividade sejam duvidosos. Em outras palavras, intervenções comumente utilizadas, mas provavelmente desnecessárias, à luz das melhores evidências científicas e de uma interpretação adequada dos dados. Geralmente as listas são de iniciativa de grupos de médicos ligados à alguma sociedade médica. No caso da ABMH, uma sociedade de medicina hospitalar criada há seis meses e ainda em construção, iniciamos uma discussão (brainstorm) num grupo de trabalho que levantou cerca de 26 recomendações para evitar ou reduzir o uso de atividades pertinentes ao ambiente hospitalar. Destas 26 recomendações iniciais, após rodadas de análises críticas, saíram 14 recomendações formais que foram submetidas aos membros fundadores da ABMH através de um formulário eletrônico para que todos avaliassem individualmente cada recomendação e atribuíssem uma nota de 1 a 10 de acordo com a importância daquela recomendação para a prática de uma medicina hospitalar de qualidade. Houve resposta de 74% dos membros, e as médias das notas de cada recomendação foram utilizadas para escolhermos as Cinco Recomendações (TOP FIVE) principais da ABMH. A lista estará disponível em breve no site do Proqualis, bem como no site da ABMH. 

Proqualis - Por fim, no evento 1º Encontro Científico da Choosing Wisely Brasil você apresentou a palestra com o tema “Prevenir é sempre o melhor remédio?” Poderia dar destaque ao que foi falado nessa apresentação?

Rodrigo Olmos- Os excessos de intervenções médicas desnecessárias ocorrem em todos os âmbitos da assistência à saúde, desde a atenção primária até as unidades de terapia intensiva. Entretanto são particularmente comuns e, a meu ver mais graves, no contexto das atividades preventivas. Nesta palestra abordei o que se entende por prevenção e mostrei que a grande maioria das atividades preventivas estimuladas pelos sistemas de saúde e pelos profissionais da saúde, carecem de boas evidências científicas que sustentem sua execução. Nos últimos tempos prevenção em saúde tem se reduzido à realização de uma série de exames complementares, comumente chamados de Check-up. Esses exames são utilizados com a finalidade teórica de encontrar alguma alteração assintomática (subclínica, dormente ou não manifesta) que leve ao diagnóstico precoce de alguma condição mórbida (doença) que, por sua vez, seria passível de tratamento, de forma a alterar sua história natural e melhorar o prognóstico do paciente (tanto em termos de reduzir a mortalidade como em termos de reduzir morbidade e melhorar qualidade de vida). É o que se chama de prevenção secundária de acordo com Leavell & Clark. O problema é que esta hipótese, embora plausível e muito apreciada por todos, também precisa ser comprovada para sabermos se, de fato, funciona e vale a pena implementá-la. Estas considerações não têm nada a ver com redução de custos ou racionamento de cuidados em saúde, mas sim com o fato de que até intervenções preventivas podem causar danos, e estes danos podem inclusive levar a morte. É mais óbvio e fácil de compreender que uma medicação prescrita de forma inadequada ou uma cirurgia desnecessária podem causar danos, mas é contraintuitivo dizer (e difícil de entender) que uma singela intervenção para prevenir alguma coisa possa causar mal. O fato é que estas intervenções podem e causam prejuízo às pessoas. Em geral o que acontece é que um achado alterado em um exame qualquer tem o potencial de gerar uma série de consequências incluindo ansiedade do paciente pela alteração encontrada, o fenômeno da rotulação (labeling em inglês, com todas as suas consequências deletérias para a qualidade de vida), o desencadeamento de uma cascata diagnóstica cada vez mais invasiva que por si só pode causar dano, o encontro de resultados falso-positivos que mantem e intensificam a cascata diagnóstica, o achado de incidentalomas que também levarão a outras cascatas diagnósticas e, por fim, o achado de sobrediagnósticos (“doenças reais” do ponto de vista da definição patológica ou laboratorial, mas que tem um comportamento não evolutivo, não patológico – em outras palavras, encontra-se uma condição que nunca teria se manifestado se não tivesse sido descoberta). Tudo isto num cenário em que o benefício potencial do encontro precoce de uma condição evolutiva grave tampouco está comprovado (há mais evidências mostrando que a maioria destas intervenções não melhora nenhum desfecho de saúde do que evidências de que algumas delas produzem um modesto benefício, que pode ser anulado pela maior probabilidade de prejudicar o paciente). Por fim, estas intervenções desnecessárias e excessivamente realizadas também tem um impacto coletivo perverso, pois levam a iniquidade em saúde, uma vez que recursos preciosos são utilizados em atividades desnecessárias, em geral mais frequentemente em pessoas de melhor nível socioeconômico, em detrimento de atividades diagnósticas e curativas em pacientes sintomáticos, em geral de classes sociais menos favorecidas. Isto faz com que o sobrediagnóstico e o sobretratamento (mais comum nos ricos) ande  lado a lado com o subdiagnóstico e o subtratamento (mais comum nos pobres), como bem apontou Julian Tudor Hart na conceituação da Lei dos Cuidados Inversos.

Idioma do conteúdo: 
Data de publicação: 
2016