Práticas seguras de cuidados maternos e perinatais evitam eventos adversos no parto e nascimento

Entrevista com Dra. Lenice Gnocchi da Costa Reis (ENSP/Fiocruz)

Por Isis Breves | Publicado em 30/05/2016

Dia 28 de maio foi o Dia Internacional de Luta pela Saúde da Mulher. Esta data integra a agenda nacional do Dia de Redução da Mortalidade Materna e foi criada para dar visibilidade ao 5º Objetivo de Desenvolvimento do Milênio (ODM), da Organização das Nações Unidas (ONU), que trata da melhoria da saúde materna. O prazo para o alcance da meta de redução da morte materna em 75% encerrou em 2015, mas vários países, inclusive o Brasil, ficaram longe de atingi-la. 

O Proqualis chama atenção para alguns eventos adversos que recentemente ganharam espaço na imprensa, que podem ser evitados através da implementação de protocolos para Parto e Nascimento Seguros. No dia 18 de janeiro, um bebê sofreu uma queda logo após seu nascimento, que acarretou em lesões leves, como hematomas na testa, cintura e nádegas, em Ceilândia no Distrito Federal. No dia 10 de maio, uma mulher de 28 anos, morreu após uma hemorragia pós-parto em Manoel Urbano, no interior do Acre. No dia 17 de maio, uma jovem de 15 anos morreu após 17 horas de parto, sofreu convulsões e o atestado de óbito aponta morte por eclampsia, em Barretos, São Paulo. Esses casos foram publicados no site de notícias G1 do portal Globo.com, são alguns exemplos de eventos adversos relacionados ao Parto e Nascimento evitáveis. Para falar sobre práticas de cuidados maternos e perinatais que podem prevenir eventos adversos como esses, o Proqualis entrevistou Lenice Gnocchi da Costa Reis – médica, doutora em Saúde Pública, pesquisadora da ENSP/Fiocruz e responsável pela página “Parto e Nascimento” do Proqualis. 

Proqualis  Casos de eventos adversos no parto e nascimento, como esse da queda do bebê ao nascer, poderiam ser evitados. Quais medidas baseadas em evidências são cruciais para que danos como esse não ocorram? 

Lenice – Primeiro de tudo, para prevenir a ocorrência de eventos adversos e danos aos pacientes é preciso que o hospital, seus profissionais e o serviço de saúde como um todo reconheçam que há falhas nos processos de trabalho (e que mesmo o que está bom pode ser melhorado). Aprender com os erros é uma postura fundamental, porque, senão, estamos fadados a repeti-los. Então, a cada ocorrência como essa deve haver uma investigação para explicar por que isso ocorreu e identificar as medidas que podem ser tomadas para evitar que ocorra novamente.

Vale lembrar que o ideal é que a mãe possa ser internada em quartos destinados a todo o ciclo da sua internação: pré-parto, parto e puerpério, o quarto PPP, com privacidade e com a presença de seu acompanhante todo o tempo. Quando isso não é possível ou quando há necessidade de transferir essa parturiente para outro local, isso precisa ser feito adotando medidas de proteção, como o uso de cadeiras e macas.

Há na literatura científica muitas intervenções para a proteção de quedas em ambientes de serviços de saúde, inclusive nas maternidades – tanto para a queda da mãe, quanto para a do bebê. São medidas que dizem respeito à estrutura física da maternidade, como a instalação de barras de apoio, pisos antiderrapantes e uma boa iluminação e sinalização. Também há medidas relacionadas aos equipamentos, como camas com proteção lateral e berços acoplados com as camas. Além disso, há outras medidas para uma série de situações do processo de trabalho. Uma delas é o uso de escalas para identificação da mãe com maior risco para quedas, usada na chegada da mãe e sempre que houver alguma mudança de seu quadro. Devemos lembrar que o parto é cansativo e que isso, por si só, pode levar a risco de quedas. Porém, essas escalas ajudam a identificar outras circunstâncias que podem contribuir para a ocorrência da queda, como, por exemplo: ter feito analgesia epidural, ter tido sangramento durante a gravidez, o parto ou após o nascimento, ter epilepsia ou diabetes, apresentar pressão arterial baixa ou ter alguma deficiência visual ou física. Essas mulheres precisam de atenção especial.

Para evitar as quedas de bebês, além da transferência da parturiente em cadeira ou maca, o próprio bebê só deve ser transferido em berços. A amamentação deve ser supervisionada, com as proteções das laterais da cama levantadas, porque não é incomum que as mães, cansadas após o parto, adormeçam enquanto estão amamentando. Também podem ser usadas técnicas de amarração de fraldas de tecido, que ajudam a aconchegar e firmar o bebê junto ao corpo da mãe. Os acompanhantes devem ser avisados sobre o risco de queda e podem ajudar ou pedir ajuda para deslocamento para o banheiro, para o banho ou para exames, por exemplo.

Há outras alternativas e protocolos, mas o importante é que toda a equipe esteja alertada e adquira uma capacidade de transformar as medidas de proteção adotadas pela maternidade em rotina. 

Proqualis – Recentemente, a OMS lançou a Lista de Verificação para o Nascimento Seguro (The WHO Safe Childbirth Checklist) desenvolvida para apoiar as práticas de cuidados maternos e perinatais. Poderia explicar a importância dessa estratégia como prevenção de eventos adversos e a forma de incorporar essa prática nas maternidades públicas do Brasil, com todos os desafios a sanar? 

Lenice – Em todo o mundo, a cada ano, acontecem cerca de 130 milhões de nascimentos, que resultam em cerca de 300 mil mortes maternas, 2,6 milhões de natimortos e a morte de outros tantos recém-nascidos nos primeiros 28 dias após o nascimento. Essa é uma situação inaceitável. Diante desse quadro trágico, a OMS vem fazendo esforços para melhor a qualidade da assistência nas maternidades. A lista de verificação para o parto e nascimento seguros é uma das intervenções pensadas para apoiar práticas essenciais voltadas para as principais causas de morte materna, que são:  hemorragia, distúrbios hipertensivos, infecção e trabalho de parto obstruído. Também está voltada para a melhoria dos cuidados intraparto e pós nascimento do bebê. Essa iniciativa tem como base as evidências científicas de sucesso de outros checklists, como o da cirurgia segura. Ela já foi testada em países da África e da Ásia, comprovando sua utilidade.

As listas de verificação são bastante simples. A intenção é que tudo e todos estejam permanentemente preparados para as atividades comuns de todo o dia e também para qualquer intercorrência. Sua aplicação é como um lembrete de que tudo foi visto, para que o profissional de saúde, sempre atarefado, não conte apenas com sua memória para saber se tudo o que é necessário para prestar uma boa assistência foi feito ou está disponível. 

Esse checklist contém itens que devem ser verificados para cada mulher - na sua admissão, no momento imediatamente anterior ao parto, logo após o parto e antes da alta. Esse tipo de técnica é muito utilizado em indústrias, pois evita desperdício de materiais, desvios de qualidade, perda de tempo. Os serviços de saúde têm muito a ganhar com essas técnicas, pois otimiza o tempo dos profissionais, garante que todas as informações importantes foram levantadas, que todas as medidas foram executadas e que, em situações de emergência, os profissionais estejam focados apenas na prestação da assistência e não em viabilizar a obtenção de medicamentos e insumos. Tudo fica registrado e isso auxilia a troca de plantões e a confirmação de que os itens cruciais foram vistos e as ações foram tomadas. 

Proqualis – Em se tratando de Parto e Nascimento Seguros, a OMS já vem desenvolvendo estratégias para combater a mortalidade materna, pricipalmente nos países em desenvolvimento, como o Brasil. A redução da mortalidade materna foi um dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio propostos pela Organização das Nações Unidas (ONU), que trata da melhoria da saúde materna e tem como objetivo reduzir em 75% as mortes por complicações no parto, durante ou após a gestação ou causadas pela interrupção da gravidez, como esses eventos adversos citados nas notícias acima, pressão alta que ocasionou a eclampsia e a hemorragia pós-parto. O prazo para alcance da meta se encerrou em dezembro de 2015 e, apesar de muitos avanços, o Brasil não conseguiu alcançar a meta. O que podemos atribuir a falha em alcançar essa meta? Quais medidas ainda precisam ser implementadas e como fazê-las? 

Lenice – A morte materna está relacionada claramente com a qualidade da assistência ao pré-natal, ao parto e ao puerpério. Há também outros fatores envolvidos que estão relacionados à sociedade como um todo, às condições em que as pessoas vivem e trabalham. São os fatores sociais, econômicos, culturais, étnicos/raciais, psicológicos e comportamentais que influenciam a ocorrência de problemas de saúde. O que eu quero dizer é que, para diminuir a morte materna, é necessário um esforço conjunto de várias áreas em sincronia, que se potencializem. São iniciativas que visem proteger a mulher no trabalho, que lhe deem chance de ter uma gravidez desejada e no momento que considere oportuno, que removam barreiras de acesso aos serviços de saúde e cuidados de qualidade quando precisar, que respeitem sua dignidade. Enfim, há muito a ser feito. Nossos esforços são no sentido de trazer experiências e conhecimento, técnicas e práticas sustentadas na literatura científica e ajudar a difundi-las; apoiar e incentivar os serviços de saúde a aderir ou adotar iniciativas que melhorem sua performance, seus resultados e que ofereçam cuidados cada vez mais seguros e efetivos.