Melhoria contemporânea da qualidade
PERSPECTIVAS
Introdução
O Brasil enfrenta muitos desafios na tarefa de atender às novas necessidades e demandas de saúde de sua população. Métodos e estratégias de melhoria da qualidade têm seu papel no processo de melhorar o cuidado de saúde e a saúde pública. Este artigo apresenta um breve panorama de alguns dos métodos e estratégias que os serviços e regiões podem utilizar para melhorar o cuidado de saúde e reduzir o desperdício e os custos.
Os desafios
O crescimento da população e da economia gera diferentes necessidades de saúde e maiores demandas e expectativas por parte dos cidadãos e dos pacientes atendidos pelos serviços de saúde. No Brasil, existem desigualdades no acesso ao cuidado de saúde e grandes variações no uso de serviços e tratamentos, assim como em seus resultados. Os custos do cuidado de saúde estão crescendo, o que torna parte do cuidado inacessível para determinados pacientes e populações. Ao mesmo tempo, existem desperdício e dano considerável causado aos pacientes pelo cuidado de saúde inseguro.
O papel da melhoria da qualidade
Melhoria da qualidade é um termo genérico que se refere a:
- Um corpo de conhecimento sistemático, que alguns chamam de ciência ou de multidisciplina;
- Um conjunto de métodos, muitos deles comprovadamente eficazes em melhorar o cuidado;
- Diferentes estratégias para lidar com problemas específicos de qualidade e segurança (p.ex., infecções relacionadas à assistência à saúde ou problemas de comunicação entre os serviços);
- Diferentes programas para enfrentar problemas gerais de qualidade e segurança (p.ex., desenvolvimento de diretrizes clínicas ou acreditação).
Segurança
Notícias publicadas na mídia sobre dano aos pacientes, infecções relacionadas à assistência à saúde e abusos em instituições de longa permanência para idosos chamaram a atenção dos políticos e administradores para a necessidade de promover melhorias na segurança. No entanto, poucos países proporcionam o financiamento sustentado de programas, necessário para realizar melhorias significativas ao longo do tempo e para desenvolver uma abordagem sistêmica para a segurança. Uma área na qual a Austrália assumiu a liderança é a das políticas que estimulam os médicos e enfermeiros a informar aos pacientes sobre quaisquer erros ocorridos - a abertura da informação.(1) Outra área é a atenção em relação às consequências para a saúde e o bem-estar dos profissionais de saúde envolvidos em eventos adversos - nos EUA existem programas de apoio para essas "segundas vítimas" e na Suécia são realizados estudos sobre o tema.
Qualidade e reforma da saúde
Os sistemas de saúde realizam reformas contínuas e diferentes países são influenciados pelas reformas feitas nos outros. O Reino Unido talvez seja o país que mais introduziu reformas nos últimos anos, tendo feito da qualidade e da segurança uma parte central dessas reformas. Para os especialistas em qualidade e para os pacientes, a parte mais importante das reformas possivelmente tenha sido a definição de metas para o tempo de espera, com penalidades para os serviços que não consigam atingi-las. A melhoria da qualidade e a metodologia Lean foram usadas com algum êxito para atingir esses objetivos. O site do UK National Institute for Innovation and Improvement (http://www.institute.nhs.uk), acessado em 01 de dezembro de 2012) traz exemplos e diretrizes úteis, disponíveis para download.
Financiamento e compra
Outros países estão testando maneiras de pagar os provedores com base na qualidade e no volume de cuidado (value based purchasing) Uma dessas abordagens é a de "não pagar por eventos que nunca devem ocorrer", iniciada nos EUA e, posteriormente, adotada de forma limitada em outros países, como o Reino Unido e a Suécia. Financiadores não reembolsarão os prestadores de serviços pela realização de determinados procedimentos, como a reoperação para a retirada de corpo estranho deixado no paciente e algumas reinternações ocorridas pouco tempo após a alta. Inicialmente, essa medida terá um caráter simbólico,,mas faz parte de uma tendência maior de remunerar o "valor" não só do cuidado de saúde como também da saúde . Alguns regimes oferecem aos prestadores um pagamento ligeiramente maior por paciente se forem atingidos certos indicadores de qualidade. Esses pagamentos adicionais são subtraídos dos pagamentos que teriam sido feitos àqueles que não atingirem os indicadores. O pagamento por qualidade também significa pagar por episódios completos de cuidado ("bundled payment") ou fazer pagamentos predeterminados para toda uma população. No Reino Unido também existe algum interesse em modificar as estratégias de investimento para melhorar a qualidade e reduzir o desperdício, estimando e rastreando o retorno sobre o investimento dos projetos de qualidade.(2)
Medição e responsabilização
O movimento em direção ao value based financing é uma das influências que estão acelerando o desenvolvimento de indicadores e a publicação do desempenho de qualidade: isto porque, para que os prestadores recebam pagamento pela qualidade e também pelo número de procedimentos, são necessárias medidas válidas. Outra influência é o desejo de políticos de muitos países de proteger o direito à escolha e à concorrência e de disponibilizar informações aos pacientes e aos pagadores, para que possam fazer escolhas conscientes. Outros países possuem diferentes sistemas de indicadores e maneiras de publicar as informações de qualidade, como sítios públicos na internet que permitem fazer comparações fáceis - alguns exemplos notáveis são o sistema federal de publicação sobre qualidade do Medicare, nos EUA, o sistema de comparação implementado no Reino Unido e outro usado na Dinamarca. Além disso, os organismos de acreditação desenvolveram amplos sistemas de indicadores de qualidade com os quais as organizações acreditadas devem contribuir e que são utilizados nas avaliações para a acreditação - exemplos desses sistemas são o Canada Accreditation, a Joint Commission e o Australian Council for Standards.
Coordenação, integração e transições de cuidado
Muitos problemas de qualidade e segurança surgem nas "interfaces": entre os turnos de trabalho, entre as profissões e entre os serviços e setores. O Reino Unido e a Suécia têm exemplos de organizações de cuidado integradas, algumas delas para grupos específicos, como o cuidado de saúde e social integrado para pessoas idosas,3 além de amplos sistemas integrados4 que, segundo algumas evidências disponíveis, apresentam uma melhor qualidade. Os EUA estão testando diferentes sistemas de accountable care organisations5, além de possuírem sistemas de saúde integrados já bem estabelecidos, como os sistemas Kaiser Permanente, Geisinger e Henry Ford.
Pesquisa em qualidade
A pesquisa em qualidade não é feita apenas pelos pesquisadores. Na verdade, a maior parte da pesquisa em qualidade é realizada pelos enfermeiros, médicos e líderes de projetos que atuam no cuidado de saúde. A coleta e a interpretação de dados para decidir o que modificar e se uma mudança representa uma melhoria requer algumas habilidades e conhecimentos básicos sobre métodos de pesquisa. Os responsáveis pela melhoria da qualidade têm procurado fortalecer a validade das suas avaliações sobre projetos de qualidade usando melhores métodos de coleta e análise de dados. Um maior número de conferências internacionais sobre qualidade, como a da International Society for Quality in Health Care (ISQUA), tem apresentado projetos locais. Além disso, existem sítios na internet que convidam os projetos de qualidade internacionais a publicar suas experiências e resultados, que podem ser buscados segundo o problema ou o método: os dois melhores exemplos são o sistema de troca de inovações da Agency for Healthcare Research and Quality (AHRQ) e a base de dados para estudos de casos do Institute for Healthcare Improvement (IHI), ambos nos EUA.
Uma outra tendência internacional é um maior financiamento, por parte de agências de apoio à pesquisa, para estudos mais aplicados e de relevância prática sobre melhoria da qualidade e da segurança, usando a pesquisa-ação e métodos colaborativos. Alguns dos achados desse tipo de pesquisa sobre métodos de implementação e disseminação são particularmente relevantes para o Brasil (http://med.stanford.edu/rmg/funding/funding_digest_06_23_11.html), acessado em 01 de dezembro de 2012).
Conclusões
Este trabalho apresentou um panorama das diferentes abordagens para a melhoria de qualidade, algumas delas talvez não muito conhecidas no Brasil. Também foram apresentados orientações e recursos desenvolvidos em outros lugares, que podem ajudar na aplicação dos métodos. A escolha dos métodos mais adequados e com melhor custo-efetividade depende do ambiente de operação nos serviços locais. Além disso, é necessário avaliar a capacidade de mudança dos serviços: algumas abordagens complexas, e outras que exigem o uso da tecnologia da informação para promover a qualidade, talvez não sejam viáveis em alguns serviços, mesmo com o auxílio de especialistas externos. Entretanto, os responsáveis pela melhoria da qualidade podem aprender com as experiências de muitos outros países, conhecendo as abordagens mais efetivas; além disso, podem encontrar e utilizar recursos e saber como implementá-los, uma vez que muitos dos problemas e soluções ao nível clínico são os mesmos em todo o mundo.
1. Australian Council for Safety and Quality in Health Care. Open disclosure standard: a national standard for open communication in public and private hospitals, following an adverse event in health care 2003.http://www.safetyandquality.org/articles/publications/opendisclosure_web.pdf.
2. Øvretveit J. Summary: do changes to patient-provider relationships improve quality and save money? Londres: The Health Foundation; 2012. http://www.health.org.uk/publications/do-changes-to-patient-provider-relationships-improve-quality-and-save-money.
3. Ham C, Dixon J, Chantler C. Clinically integrated systems: the future of NHS reform in England? BMJ 2011; 342:740-2.
4. Øvretveit J, Hansson J, Brommels M. An integrated health and social care organisation in Sweden: creation and structure of a unique local public health and social care system. Health Policy 2010; 97:113-21.
5. Fisher E, Shortell S. Accountable care organizations: accountable for what, to whom, and how. JAMA 2010; 304:1715-6.
Artigo publicado originalmente pelos Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, 29(3):424-426, mar, 2013. doi:10.1016/S0140-6736(12)61850-9
Contemporary quality improvement
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Este texto foi originalmente escrito em inglês. Os Cadernos de Saúde Pública permitiram a tradução deste artigo e cederam os direitos de publicação ao Proqualis/Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde/Fiocruz, único responsável pela edição em português. Os Cadernos de Saúde Pública não se responsabilizam pela acurácia das informações e por perdas ou danos decorrentes da utilização desta versão.
Melhoria contemporânea da qualidade
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