Sobre a iniciativa pioneira nos EUA e a Choosing Wisely International

Resumo: 

Por Dr. Guilherme Barcellos

Em 2012, o American Board of Internal Medicine (ABIM), então presidido por Wendy Levinson, iniciou nos Estados Unidos a campanha Choosing Wisely. Hoje esta campanha se expandiu oficialmente para diversos países, inclusive para o Brasil, e recebeu a denominação de Choosing Wisely International, liderada pelo próprio Wendy Levinson. A Choosing Wisely pode se moldar a qualquer país e qualquer cultura, mas deve servir de inspiração principalmente para os países ocidentais (como o nosso), que insistem em imitar o padrão norte-americano de consumo de recursos pseudocientíficos.

Choosing Wisely poderia ser traduzido como "usando de sabedoria em suas escolhas” ou “escolhendo sabiamente”. Surge da percepção de que a falta de sabedoria é muitas vezes expressa na utilização exagerada ou inapropriada de recursos na saúde. A Choosing Wisely, portanto, é uma campanha que vai ao encontro do paradigma Less is More.

O ABIM solicitou às diversas sociedades de especialidades que apontassem condutas médicas correntes que não deveriam ser adotadas, ao menos indiscriminadamente. Isso fez com que os próprios especialistas refletissem e contraindicassem ações relacionadas à especialidade. O que começou timidamente nos EUA já abrange hoje mais de 70 sociedades médicas. O mesmo modelo foi replicado no Canadá.

Historicamente, os guidelines versaram muito mais sobre o que devemos fazer, do que sobre o que não devemos fazer. A Choosing Wisely recomenda o que não devemos fazer. Traz, portanto, um paradigma interessante. Observem que as recomendações do que não fazer (recomendação grau III) normalmente se limitam a condutas comprovadamente deletérias. No entanto, há muitas razões para não adotarmos condutas além da prova do dano. Em outras palavras, não necessariamente temos que fazer algo só porque não é deletério. O ônus da prova está no desempenho (eficácia) e utilidade (relevância) de uma conduta. Assim, os seguintes motivos justificam a não adoção de certas condutas:

  1. Terapia prejudicial – por ser óbvio, não é o foco principal da Choosing Wisely;
  2. Terapia desconhecida quanto à sua eficácia (não há demonstração) – isso é algo muito comum – condutas que fogem à plausibilidade extrema, mas são adotadas sistematicamente, baseadas em crenças;
  3. Terapia comprovadamente ineficaz, embora segura – isso também se faz, pois muitas vezes ensaios clínicos negativos não são valorizados por irem de encontro a nossas crenças;
  4. Diagnósticos corretos, porém inúteis (fúteis) e potencialmente prejudiciais (overdiagnosis);
  5. Marcadores prognósticos acurados, porém inúteis (fúteis) e potencialmente prejudiciais.

Os sites das iniciativas Choosing Wisely norte-americana e canadense trazem interessantes recomendações, sempre endossadas pelas sociedades de especialidades. Devem ser visitados, enquanto geramos nossas próprias recomendações, servindo de inspiração. Expressam pensamentos de vanguarda, de encontro a tão comum mentalidade do médico ativo e outras armadilhas que nos levam a excessos ou exageros nas condutas em saúde.

Em cardiologia, por exemplo, os especialistas norte-americanos foram muito felizes em dizer para “não realizarmos pesquisa de isquemia miocárdica de rotina em indivíduos absolutamente assintomáticos”. Percebam como (em média) o que os médicos fazem é exatamente o contrário. Na prática, uma pessoa não pode passar nem perto do consultório de um cardiologista que sairá com um pedido de exame não invasivo para pesquisa de doença coronária (teste ergométrico (mais comumente), cintilografia miocárdica (muito frequentemente) ou tomografia de coronárias).

Outro exemplo é a recomendação de ortopedistas norte-americanos de não prescrevermos condroitina ou glucosamina para tratamento da artrite de joelho. Embora diversos pacientes revelem que houve redução da dor de joelho ao ingerir remédios que apresentam estes elementos em sua composição, sabemos que tudo se deve ao efeito placebo desses componentes, muito bem demonstrado por um grande ensaio clínico randomizado publicado no New England Journal of Medicine. Além disso, há aqueles que dizem que, se a dor melhora, não importa o remédio ser placebo. Mas será que devemos, rotineiramente, propor uma medicina baseada em fantasia? Dessa forma, onde vamos parar?

Certa vez, um dos líderes da Choosing Wisely nos Estados Unidos comparou esta história toda ao filme do Indiana Jones em que o herói procura o Santo Graal. Na cena final, há vários cálices e apenas uma chance de escolha do correto, aquele que seria o Santo Graal. O guardião dos cálices avisa aos personagens: Choose Wisely. O primeiro a escolher, de forma óbvia, escolhe o cálice mais bonito e precioso. No entanto, como sabemos, em ciência nem sempre o plausível é o verdadeiro. Aquele não era o Santo Graal e o vilão acaba sendo transformado em caveira. Por outro lado, Indiana Jones é um cientista e usa sua mente científica para fazer a escolha mais sábia. Ele escolhe o cálice mais simples, mais condizente com os valores de Jesus Cristo. E acerta, conseguindo a conquista do Santo Graal.

Como médicos, precisamos pensar sabiamente. Usar recursos sem comprovação científica ou de forma exagerada aproxima-nos do vilão do filme e distancia-nos de Indiana Jones. Ser médico herói é fazer o que tem que ser feito.

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