Caracterização das primeiras 250 mil hospitalizações por COVID-19 no Brasil: Uma análise retrospectiva de dados nacionais

Otavio T Ranzani ; Leonardo S L Bastos ; João Gabriel M Gelli ; Janaina F Marchesi ; Fernanda Baião ; Silvio Hamacher ; Fernando A Bozza
Título original:
Characterisation of the first 250000 hospital admissions for COVID-19 in Brazil: a retrospective analysis of nationwide data
Resumo:

Contexto 
A maioria dos países de baixa e média renda tem pouca ou nenhuma informação integrada aos sistemas nacionais de vigilância, que possibilite identificar as características ou desfechos das hospitalizações por COVID-19, bem como o impacto da pandemia nos sistemas nacionais de saúde. O objetivo deste estudo foi analisar as características dos pacientes internados por COVID-19 no Brasil, e examinar o impacto da doença na utilização de recursos e mortalidade hospitalar. 
Métodos 
Este estudo é uma análise retrospectiva das hospitalizações de pacientes maiores de 20 anos com diagnóstico de COVID-19 confirmado por RT-qPCR, com data de admissão entre 16 de fevereiro e 15 de agosto de 2020 (semanas epidemiológicas 8–33), e registrados no SIVEP-Gripe, sistema nacional de vigilância do Brasil. Examinou-se a progressão da pandemia de COVID-19 em três períodos de quatro semanas (semanas epidemiológicas 8-12, 19-22 e 27-30). O desfecho primário foi mortalidade hospitalar. Nós comparamos a carga regional de internações hospitalares, estratificadas por idade, admissão em unidades de terapia intensiva (UTI) e suporte respiratório. A análise foi feita com os dados de todo o país e de suas cinco regiões: Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul. 
Resultados: 
No período entre 16 de fevereiro e 15 de agosto de 2020, 254.288 pacientes com diagnóstico de COVID-19 confirmado por RT-qPCR foram hospitalizados e registrado no SIVEP-Gripe. A idade média dos pacientes foi 60 (DP 17) anos, 119.657 (47%) dos 254.288 possuiam menos de 60 anos, 143.521 (56%) de 254.243 eram do sexo masculino e 14.979 (16%) de 90.829 não reportaram comorbidades. O número de casos de COVID-19 aumentou ao longo do período analisado: nas semanas epidemiológicas 19-22, os casos estavam concentrados no Norte, Nordeste e Sudeste; e nas semanas 27-30, os casos se espalharam para as regiões Centro-Oeste e Sul. 232.036 (91%) de 254.288 pacientes possuíam um desfecho hospitalar definido na data de exportação dos os dados; a mortalidade hospitalar foi de 38% (87.515 de 232.036 pacientes), sendo de 59% (47.002 de 79.687) entre os pacientes que foram admitidos em UTI e 80% (36.046 de 45.205) para aqueles que foram ventilados invasivamente. A taxa de admissões em UTI por leito de UTI foi mais acentuada nas regiões Norte, Sudeste e Nordeste, comparadas com as regiões Centro-Oeste e Sul. No Nordeste, 1.545 (16%) de 9.960 pacientes receberam ventilação mecânica invasiva fora da UTI em comparação com 431 (8%) de 5.388 na região Sul. A mortalidade hospitalar em pacientes com menos de 60 anos foi de 31% (4.204 de 13.468) no Nordeste e 15% (16.94 de 11.196) na região Sul. 
Interpretação: 
Observou-se uma ampla disseminação da COVID-19 em todas as regiões do Brasil, o que resultou em um elevado uso de recursos. A mortalidade hospitalar foi alta, mesmo em pacientes com menos de 60 anos, e foi agravada pelas disparidades regionais existentes no sistema de saúde do país. A pandemia COVID-19 evidencia a necessidade de melhorar o acesso a cuidados de alta qualidade para pacientes graves hospitalizados por COVID-19, particularmente em países de baixa e média renda. 
Financiamento: 
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), e Instituto de Salud Carlos III.

Resumo Original:

Summary 
Background 
Most low-income and middle-income countries (LMICs) have little or no data integrated into a national surveillance system to identify characteristics or outcomes of COVID-19 hospital admissions and the impact of the COVID-19 pandemic on their national health systems. We aimed to analyse characteristics of patients admitted to hospital with COVID-19 in Brazil, and to examine the impact of COVID-19 on health-care resources and in-hospital mortality. 
Methods 
We did a retrospective analysis of all patients aged 20 years or older with quantitative RT-PCR (RT-qPCR)- confirmed COVID-19 who were admitted to hospital and registered in SIVEP-Gripe, a nationwide surveillance database in Brazil, between Feb 16 and Aug 15, 2020 (epidemiological weeks 8–33). We also examined the progression of the COVID-19 pandemic across three 4-week periods within this timeframe (epidemiological weeks 8–12, 19–22, and 27–30). The primary outcome was in-hospital mortality. We compared the regional burden of hospital admissions stratified by age, intensive care unit (ICU) admission, and respiratory support. We analysed data from the whole country and its five regions: North, Northeast, Central-West, Southeast, and South. 
Findings 
Between Feb 16 and Aug 15, 2020, 254288 patients with RT-qPCR-confirmed COVID-19 were admitted to hospital and registered in SIVEP-Gripe. The mean age of patients was 60 (SD 17) years, 119657 (47%) of 254288 were aged younger than 60 years, 143 521 (56%) of 254 243 were male, and 14 979 (16%) of 90 829 had no comorbidities. Case numbers increased across the three 4-week periods studied: by epidemiological weeks 19–22, cases were concentrated in the North, Northeast, and Southeast; by weeks 27–30, cases had spread to the Central-West and South regions. 232036 (91%) of 254 288 patients had a defined hospital outcome when the data were exported; in-hospital mortality was 38% (87515 of 232 036 patients) overall, 59% (47002 of 79 687) among patients admitted to the ICU, and 80% (36046 of 45205) among those who were mechanically ventilated. The overall burden of ICU admissions per ICU beds was more pronounced in the North, Southeast, and Northeast, than in the Central-West and South. In the Northeast, 1545 (16%) of 9960 patients received invasive mechanical ventilation outside the ICU compared with 431 (8%) of 5388 in the South. In-hospital mortality among patients younger than 60 years was 31% (4204 of 13 468) in the Northeast versus 15% (1694 of 11 196) in the South. 
Interpretation 
We observed a widespread distribution of COVID-19 across all regions in Brazil, resulting in a high overall disease burden. In-hospital mortality was high, even in patients younger than 60 years, and worsened by existing regional disparities within the health system. The COVID-19 pandemic highlights the need to improve access to high-quality care for critically ill patients admitted to hospital with COVID-19, particularly in LMICs. 
Funding 
National Council for Scientific and Technological Development (CNPq), Coordinating Agency for Advanced Training of Graduate Personnel (CAPES), Carlos Chagas Filho Foundation for Research Support of the State of Rio de Janeiro (FAPERJ), and Instituto de Salud Carlos III.

Fonte:
The Lancet ; 30560-9; 2021. DOI: doi.org/10.1016/S2213.