Empoderamento do paciente - quem dá poder a quem?

Título original:
Patient empowerment - Who empowers whom?
Resumo:

O que é o empoderamento do paciente? Mais de 250 participantes discutiram essa questão na primeira European Conference on Patient Empowerment, realizada recentemente em Copenhagen, na Dinamarca, pela European Network on Patient Empowerment (ENOPE 2012). A conferência foi realizada sob os auspícios da Presidência Dinamarquesa da União Europeia (UE) e organizada pelo Escritório Regional da OMS para a Europa, Ministério da Saúde da Dinamarca, Comitê Dinamarquês de Educação em Saúde, Caerum Foundation da Suíça e English Expert Patient's Group. Ilona Kickbusch, coorganizadora da ENOPE 2012, afirma que "o empoderamento do paciente é simplesmente um processo para auxiliar as pessoas a ganharem controle. Para isso, é preciso fazer com que tenham iniciativa, resolvam problemas e tomem decisões, o que pode ser aplicado não só a diferentes ambientes no cuidado de saúde e na assistência social, como também aos programas de autocuidado". Os palestrantes argumentaram que a abordagem tradicional e paternalista do cuidado de saúde tende a ignorar as preferências pessoais e cria dependência - é preciso haver uma mudança em direção ao cuidado centrado no paciente.

O objetivo da conferência, da qual participaram pacientes, especialistas em saúde pública, oficiais de ministérios da saúde europeus e médicos, era partilhar experiências sobre diversos aspectos do empoderamento do paciente, dentre eles a educação em saúde, o autocuidado em doenças crônicas e o papel da tecnologia. O empoderamento também envolve o respeito aos direitos e à opinião dos pacientes. Os participantes defenderam um maior envolvimento dos pacientes na concepção de políticas nacionais, para fazer com que os sistemas de saúde se tornem mais adaptados aos usuários e que as informações sejam mais acessíveis. A Outcome Measures in Rheumatoid Arthritis Clinical Trials (OMERACT) é uma rede internacional que tem envolvido pacientes no aprimoramento das medidas de resultado clínico. As experiências de pessoas vivendo com HIV/AIDS também são um exemplo de envolvimento construtivo dos pacientes na formulação de políticas, ainda que essa tenha sido uma luta historicamente difícil.

Os críticos temem que essa mudança nas relações de poder, conceito que, por si só, é potencialmente ameaçador para os médicos, poderia inibir a alocação de recursos financeiros suficientes pelos governos para que os sistemas de saúde façam frente à carga crescente de doenças crônicas. A implementação de programas de educação em saúde e a promoção do autocuidado enfrentam grandes dificuldades práticas; dentre elas, encontrar uma maneira de atender aos grupos mais vulneráveis. A realidade é que os médicos têm tempo e recursos limitados e que nem todos os pacientes podem ou querem ser empoderados. Robert Johnstone (da International Association of Patients' Organisations) afirma que "os médicos precisam descer de seu pedestal, mas os pacientes não podem continuar de joelhos". Acrescenta ainda: "empoderamento não significa tentar tirar o poder dos médicos à força. Trata-se, essencialmente, de ajudar as pessoas a levarem vidas mais proativas e gratificantes".

Com relação à gestão de doenças crônicas, os palestrantes concordaram que o empoderamento é fundamental. Estima-se que doenças cardiovasculares, câncer, diabetes, obesidade e doenças respiratórias crônicas causem 77% da carga de doença na Europa, medida por anos de vida ajustados por incapacidade. "Em países como a China e a Índia, os sistemas de saúde só conseguirão lidar com o impacto gerado pelas doenças crônicas através do empoderamento do paciente", afirma Kickbusch. O autocuidado jamais substituirá o cuidado profissional de pacientes agudos. Ainda assim, aprendendo a cuidar de si mesmas, as pessoas com doenças crônicas terão uma maior chance de continuar integradas à sociedade e à força de trabalho. Programas de autocuidado de doenças crônicas dão apoio aos pacientes para que ganhem confiança e adquiram as competências necessárias para reconhecer sintomas de alerta, tomar medicamentos e decidir sobre o tratamento mais adequado para si mesmos. Entretanto, a avaliação destes programas em maior escala é necessária e o estabelecimento de diretrizes internacionais baseadas em evidência precisa ser realizado com urgência.

O compromisso dos altos escalões políticos em favor do empoderamento do paciente deve vir em um futuro próximo. No primeiro dia após o fim de sua licença-maternidade, Astrid Kaag, ministra da saúde dinamarquesa, fez o discurso de abertura da conferência e anunciou que iria organizar uma reunião informal de ministros da saúde da União Europeia para discutir sistemas de saúde mais centrados no paciente. O Escritório Regional da OMS para a Europa também inseriu o empoderamento do paciente em uma nova política europeia de saúde, a Health 2020, a ser adotada ainda este ano.

Praticamente todas as pessoas tornam-se pacientes em algum momento da vida. Para atingirmos melhores resultados de saúde, é fundamental melhorar a capacidade das pessoas de compreender e gerir sua própria saúde e doença, negociar com diferentes profissionais de saúde e encontrar seu caminho na complexidade dos sistemas de saúde. A conferência ENOPE 2012 e o compromisso político por ela promovido são muito bem-vindos. Entretanto, o empoderamento é um processo voltado ao indivíduo e a todos aqueles que possam o defender. Dentre os desafios que temos pela frente, um dos passos fundamentais será iniciar um diálogo direto com os profissionais de saúde sobre o empoderamento do paciente.

Resumo Original:

What is patient empowerment? Over 250 participantsdiscussed this question at the fi rst European Conference on Patient Empowerment, recently held in Copenhagen, Denmark, by the European Network on Patient Empowerment (ENOPE 2012). The Conference was convened under the auspices of the Danish Presidency of the European Union (EU), and organised by the WHO Regional Offi ce for Europe, Denmark's Ministry of Health, the Danish Committee for Health Education, the Caerum Foundation of Switzerland, and the English Expert Patient's group. ENOPE 2012 co-organiser Ilona Kickbusch says that "patient empowerment is simply a process to help people gain control, which includes people taking the initiative, solving problems, and making decisions, and can be applied to diff erent settings in health and social care, and self management". Speakers argued that the traditional, paternalistic approach to patient care tends to ignore personal preferences, and creates dependency - there needs to be a shift towards patient-centred care.

The aim of the conference, attended by patients, publichealth experts, European ministry of health offi cials, and a handful of doctors, was to share experiences on diff erent aspects of patient empowerment. These include health literacy, chronic disease self-management, and the role of technology. Empowerment is also about respecting patients' rights and voice. Participants advocated for more patient involvement in designing national policies, to make health systems more user friendly and information more accessible. Outcome Measures in Rheumatoid Arthritis Clinical Trials (OMERACT) is an international network which has involved patients in improving disease outcome measures. The experiences of people living with HIV/AIDS are also an example of constructive, if historically hard-fought, patient-policy engagement.

Critics worry that the proposed shifting of power, a concept in itself potentially threatening to medical professionals, could abrogate governments' responsibilities to fund health systems suffi ciently to manage the growing burden of chronic disease. Implementation of health-literacy programmes and promotion of self-managed care both face huge practical challenges, including how to reach the most vulnerable groups. The reality is that doctors have limited consultation time and resources, and not all patients can, or want to be empowered. Robert Johnstone (of the International Association of Patients Organisation) says that "doctors should get down from their pedestals, but patients must get up from their knees." Yet he adds: "empowerment is not about trying to wrest power from the doctors, it is essentially helping people lead more proactive and fulfi lling lives."

In chronic-disease management, speakers agreed that we cannot aff ord not to self empower. Cardiovascular diseases, cancer, diabetes, obesity, and chronic respiratorydiseases cause an estimated 77% of the disease burden in Europe as measured by disability-adjusted life years. "In countries such as China and India, health systems will only be able to cope with the onslaught of chronic disease with patient empowerment", says Kickbusch. Although this will never substitute professional acute care, by learning to self manage, people with chronic diseases are more likely to remain integrated into society and the workforce. Programmes on chronic disease self management support individuals to gain confi dence and acquire the skills to recognise warning symptoms, take medication, and decide the treatment that is best suited to them. However, evaluation of these programmes on a larger scale, and international evidence based guidelines for self-care, are urgently awaited.

High-level political commitment for patient empowerment is forthcoming. On her fi rst day back from maternity leave, Astrid Kaag, the Danish Minister of Health, gave the conference's opening remarks and announced that she was hosting an informal meeting of EU health ministers to discuss more patient-centred health systems. The WHO Regional Offi ce for Europe has also embedded patient empowerment in a new European health policy, Health 2020, to be adopted later this year.

Virtually all people are patients at some point in their lives. Improving a person's ability to understand and manage his or her own health and disease, negotiate with diff erent cadres of health professionals, and navigate the complexities of health systems is crucial to achieving better health outcomes. ENOPE 2012, and the political commitment it fostered, is most welcome. However, empowerment is a process for the individual and all those who might advocate for it. Of all the challenges ahead, starting a dialogue directly with medical professionals on patient empowerment seems the critical next step.

Fonte:
The Lancet ; 379(9827): 1677; 2012. DOI: 10.1016/S0140-6736(12)60699-0.
DECS:
Poder Psicologia , congresso como assunto, relações médico-paciente , assistência a saúde, Dinamarca
Autor institucional: 
The Lancet