Uma conversa com... Kaveh Shojania

Autor institucional: 
Agency for Healthcare Research and Quality (AHRQ)
Patient Safety Network (PSNet)
Título original: 
In Conversation With… Kaveh Shojania, MD
Resumo: 

A entrevista deste mês apresenta Kaveh Shojania, MD, Editor-Chefe do BMJ Quality and Safety e Diretor do Centre for Quality Improvement and Patient Safety, da Universidade de Toronto. Conversamos com ele sobre a evolução da pesquisa em segurança do paciente ao longo dos últimos 15 anos. (Podcast disponível em inglês aqui).

Nota do editor: Kaveh Shojania, MD, é Editor-Chefe do BMJ Quality and Safety e Diretor do Centre for Quality Improvement and Patient Safety da Universidade de Toronto. Foi um dos editores fundadores do AHRQ WebM&M e do AHRQ PSNet. Também foi editor principal (e autor de seis capítulos) do relatório de evidências Making Healthcare Safer, publicado pela AHRQ após a publicação do relatório To Err is Human, do Institute of Medicine. Conversamos com ele sobre a evolução da pesquisa em segurança do paciente ao longo dos últimos 15 anos.

Dr. Robert M. Wachter: Quinze anos atrás, qual seria para você o papel da pesquisa em segurança do paciente? Você tinha noção da importância que a pesquisa teria e dos aspectos particulares da pesquisa que poderiam surgir ao tentarmos abordar um tema como a segurança do paciente?

Dr. Kaveh Shojania: A resposta é complexa. Quando tudo isto começou, havia alguma tensão entre dois grupos que poderíamos chamar de "pesquisadores" e "evangelistas". Por evangelistas, refiro-me àqueles que diziam que poderíamos aprender muito com outras indústrias. Alguns anos atrás, Frank Davidoff escreveu um artigo1 no qual desenterrou um texto2 de David Sackett, um dos pioneiros da medicina baseada em evidências (BME) e da epidemiologia clínica, no qual cunhou a frase "lesmas contra evangelistas". Ele estava falando sobre os debates em saúde pública naquela época, em que alguns defendiam o rastreamento do câncer em todas as pessoas – esses eram os evangelistas. As lesmas diziam que deveríamos estudar melhor tudo aquilo, pois havia custos de oportunidade, consequências inesperadas etc. Frank dizia que o interessante era que aquele mesmo debate havia surgido nas áreas da qualidade no cuidado de saúde e da segurança do paciente, descrevendo favoravelmente as duas perspectivas — o "façamos de uma vez" dos defensores da melhoria de qualidade, em contraposição à abordagem mais contida dos acadêmicos, do tipo "antes precisamos ter mais certeza de que isto realmente funciona".

Quando você me pergunta sobre a segurança do paciente após o relatório To Err Is Human3, do IOM, digo que certamente vimos o surgimento dessa tensão. Meus primeiros pensamentos foram que o papel da pesquisa seria testar algumas dessas possíveis intervenções. Coisas do tipo: temos que fazer a análise de causa-raiz em todo mundo. Temos que ter uma cultura de não culpabilização. Temos que proibir certas abreviações. Temos que informatizar tudo. Essas coisas têm diferentes níveis de complexidade e, em geral, surgiram a partir de analogias com indústrias de alto risco. Eu pensava que o papel da pesquisa seria testar essas ideias.

Mesmo deixando de lado o debate entre os evangelistas da melhoria e as lesmas mais orientadas para a pesquisa, alguns estudos sobre intervenções clínicas para prevenção de eventos adversos hospitalares, profilaxia para TEV ou quedas representaram uma forma de pesquisa em segurança do paciente. A principal questão que eu não previ, e que foi uma surpresa positiva, foi o avanço da pesquisa multidisciplinar na ciência da segurança do paciente; o encontro entre a Sociologia, a Psicologia e os Estudos Clínicos que observamos nos últimos 5 a 10 anos.

RW: Como tem evoluído o seu pensamento sobre essa tensão entre os grupos do "façamos de uma vez" e do "precisamos de evidências sobre tudo"?

KS: Eu realmente acho que esse debate está cada vez mais rico. A grande diferença entre o que estamos tentando fazer aqui em comparação com o resto da pesquisa clínica é que, na pesquisa clínica, não há problema se as coisas falharem. Um medicamento é amplamente utilizado. O trabalho do pesquisador é gerar evidências para justificar se ele deve continuar a ser usado. Nesse contexto, um estudo negativo tem valor, pois mostra que não devemos expor os pacientes a um medicamento que gera poucos benefícios, que pode resultar em danos e que certamente tem um custo. Porém, a maior parte das intervenções de segurança do paciente e das estratégias de melhoria de qualidade ainda não é amplamente utilizada. Não estamos fazendo um favor a ninguém ao avaliarmos rigorosamente algo que não irá funcionar. Eu não tinha percebido anteriormente que há espaço para uma maior colaboração entre os avaliadores e os implementadores. Ninguém mais está fazendo aquilo que você está testando no seu hospital. Portanto, em vez de se apressar em conduzir uma avaliação rigorosa de algo que ninguém mais está fazendo só para mostrar que aquilo não funciona, por que não otimizar a intervenção em primeiro lugar?  O que eu aprendi é que esses dois grupos podem casar muito bem o trabalho que fazem. Os evangelistas gritavam do alto do telhado e corriam em frente com coisas que provavelmente não eram nada boas. E os pesquisadores, inclusive eu, provavelmente estavam cometendo o erro de investir toda a sua energia intelectual na avaliação, e não em procurar fazer com que a coisa funcionasse.

Hoje em dia, dou mais importância à ideia de aprimorarmos ao máximo uma intervenção de segurança do paciente e avaliá-la com uma metodologia suficientemente rigorosa que não deixe de envolver as pessoas que estão efetivamente tentando colocá-la em prática. Depois, se parecer promissora — se vier a se tornar um padrão de acreditação ou alguma outra intervenção amplamente recomendada, como a conciliação medicamentosa, os times de resposta rápida, as medidas de prevenção contra infecção de corrente sanguínea relacionada ao uso de cateter e assim por diante —, então é claro que há espaço para um estudo clínico, caso se trate de uma intervenção dispendiosa ou de alto risco. É possível casar essas duas perspectivas de uma forma que eu não tinha considerado possível 15 anos atrás.

RW: Uma outra tensão consiste em saber em que medida uma intervenção de segurança do paciente pode ser considerada "comprovadamente correta" — com um único artigo ou um pequeno número de artigos — e se tornar um requisito regulamentar ou de acreditação. Esse pode ser um método para colocá-la em prática e disseminá-la mais rapidamente que outras práticas clínicas, o que é bom caso se trate de uma intervenção boa e ruim caso seja uma intervenção ruim. Como você vê essa questão e esse aspecto bastante singular da segurança do paciente?

KS: Certamente existem algumas semelhanças e algumas diferenças em comparação com o resto da medicina clínica. Na medicina clínica, tendemos a errar pelo lado da repetição de estudos clínicos. Existem exemplos famosos de estudos que foram repetidos muitas vezes sem necessidade. Por exemplo, os últimos 10 estudos para provar que a terapia trombolítica funciona bem para o infarto agudo do miocárdio. Francamente, mesmo quando temos intervenções comprovadas, levamos uma eternidade para colocá-las em prática. Nós não queremos cometer o mesmo erro com a segurança do paciente.

Dito isto, John Ioannidis e outros demonstraram4 que, às vezes, um estudo que inicialmente se mostra muito positivo é completamente refutado quando outras pessoas começam a estudar a mesma coisa. Temos alguns exemplos famosos, como os betabloqueadores perioperatórios: cinco estudos randomizados mostraram que dão bons resultados — uma enorme quantidade de evidências, pelos padrões da segurança do paciente. Porém, para os padrões clínicos, especialmente em cardiologia, foram cinco estudos pequenos. Então, surgiu o estudo POISE5 e mudou tudo. Como em qualquer outra situação, temos que considerar os riscos. Se estamos falando de algo como abreviaturas a serem evitadas, bem, o esforço é mínimo e há pouca probabilidade de provocar danos. Talvez seja apenas um pequeno inconveniente para alguns médicos. O mesmo ocorre com muitas intervenções de segurança do paciente. A conciliação medicamentosa é um exemplo interessante. É reconfortante pensar que ela não causa nenhum dano, mas, na verdade, pode ser que cause, pois, muitas vezes, na prática, ao contrário do que ocorre num ambiente de pesquisa, onde todos estão muito entusiasmados com a conciliação medicamentosa (e em quase todos os estudos são os farmacêuticos que a realizam6), nós acabamos fazendo a mesma história medicamentosa ruim que fazíamos antes, mas agora a chamamos de "a melhor história medicamentosa possível". Portanto, estamos praticamente embutindo alguns problemas nos cuidados de rotina ao dizer que foi realizada a conciliação medicamentosa. Também precisamos considerar os custos de oportunidade e o que pode dar errado com a intervenção se nos apressarmos em difundi-la. Uma outra questão é: será que aquilo realmente funcionará na maioria dos lugares? Será que estamos disseminando algo que depende fundamentalmente do contexto? Intervenções complexas podem não funcionar em toda parte por razões financeiras ou ligadas à infraestrutura ou à colaboração interprofissional. Ao decidir se vamos recomendar ou exigir alguma coisa, precisamos de mais informações sobre a forma como ela funciona em diferentes ambientes clínicos. Não é tão diferente da pesquisa clínica. Eu certamente estou mais aberto à ideia de que, em certos momentos, não precisamos de tantas evidências. Porém, mais uma vez, tudo depende dos riscos envolvidos e do preço a pagar caso estejamos errados.

RW: Eu estou prestes a começar a terceira edição do meu livro sobre segurança. Quando passei da primeira edição, em 2007, para a segunda7, em 2011, a literatura de segurança do paciente tinha mudado tanto que o livro ficou 50% mais grosso. Havia ali coisas muito, muito diferentes do que se dizia nos primeiros anos da área da segurança e em sua fase intermediária. A nossa compreensão da TI, a ideia de pensar em vez de falar tanto sobre os erros, a questão dos danos, a ferramenta de rastreamento global, o surgimento das listas de verificação, os novos objetivos de segurança, a tensão entre a cultura de não culpabilidade e a responsabilização. Estou tentando fazer o mesmo agora e tenho dificuldade em vislumbrar outras grandes mudanças de paradigma nos últimos 3 a 5 anos. Pergunto-me se você tem ideias sobre como este campo tem surgido e se desenvolvido. Será que chegamos a um patamar no qual trabalhamos nas mesmas questões (talvez de forma um pouco mais inteligente), mas com um paradigma que já está bastante bem estabelecido?

KS: Embora todos esperem alguma grande mudança de paradigma, a maior parte do progresso ocorre de forma gradual. É o que vemos na segurança do paciente. As medidas de prevenção de infecção de corrente sanguínea relacionada ao uso de cateter venoso central é uma ideia fantástica defendida por Peter Pronovost8. Porém, em termos realistas, trata-se de um problema minúsculo. Mas pelo menos temos uma solução para ele. Alguém vai fazer algo semelhante com algum outro problema, certo? Haverá melhorias graduais modestas. Evidentemente, os sistemas de prescrição eletrônica acabarão por cumprir sua promessa e esperamos que não matem ninguém. A medicina geralmente progride dessa forma. É lançado um novo fármaco contra o câncer de mama, um novo tratamento para IAM, um novo tipo de cirurgia. Porém, ultimamente, tenho reconsiderado um pouco mais essa questão. Pergunto-me se, fundamentalmente, não deveríamos parar e dizer: se não fizermos uma mudança cultural profunda, se nos dedicarmos apenas a essas intervenções muito reduzidas e específicas, o que estamos fazendo é apenas reordenar as cadeiras no convés do Titanic. Sinto que estamos espalhando algumas dessas iniciativas de segurança do paciente que tratam de problemas muito específicos, mas, na verdade, não sabemos se elas realmente nos colocam numa situação muito melhor.

Não há dúvida de que as atitudes das pessoas mudaram nos centros acadêmicos e até mesmo em centros não acadêmicos. Eu participo de rondas nas enfermarias e às vezes não enfatizo aos meus residentes e estudantes que a segurança é a minha área de interesse. E as pessoas falam espontaneamente dos erros que cometeram. Estávamos numa conferência de M&M (morbidade e mortalidade) e a primeira frase que saiu da boca de alguém foi: "Acho que cometi um erro grave na semana passada. Me esqueci de fazer isto e aquilo, e agora aconteceu tal coisa com o paciente". Era um residente contando seu caso diante de uma multidão.

RW: Eu já vi residentes, na nossa sessão de M&M, dizerem o seguinte: "Eu pensei que tal coisa estivesse acontecendo, mas agora acho que eu talvez estivesse cometendo o viés de ancoragem".

KS: Sim, é incrível. Eu faço uma analogia com a MBE como um movimento cultural ou sociológico. No final da década de 1980, parecia que estávamos tentando transformar todo mundo num Gordon Guyatt ou num David Sackett [dois pioneiros da MBE]. Mas, obviamente, foi uma tolice. A grande maioria dos profissionais clínicos não sabe nada sobre epidemiologia clínica ou não sabe muito sobre medicina baseada em evidências. Mas conhece essa linguagem e a encara de forma positiva. Isso talvez venha a acontecer com a segurança do paciente. A próxima geração de profissionais terá crescido ouvindo essa linguagem e essas ideias. Isso, por si só, já será um avanço.

Às vezes parece que estamos enxugando gelo. Nos deparamos com um problema, tentamos algo e, talvez, consigamos resolvê-lo. É claro que é bom se conseguirmos resolver o problema, mas há centenas de outros muito específicos. Também há níveis mais profundos de problemas relacionados à comunicação e ao trabalho em equipe. Eu me pergunto, embora evitasse estas questões 10 anos atrás, se a cultura, a comunicação e o trabalho em equipe serão a próxima onda.

Ken Catchpole escreveu um artigo9 para o BMJ Quality & Safety sobre as listas de verificação. Ele ressaltou que a forma como as listas de verificação eram utilizadas na aviação muitas vezes é mal compreendida no cuidado de saúde. Por exemplo, eles não as utilizavam para promover todo o trabalho de equipe e a comunicação, como tentamos fazer na área da saúde. Isso porque eles já faziam o trabalho em equipe e a comunicação separadamente e de forma muito intensa. Dizemos que a lista de verificação cirúrgica não é apenas uma lista de verificação. Ela é, na verdade, um mecanismo de trabalho em equipe e comunicação. Mas isso é estranho, porque uma lista de verificação deveria ser apenas isso, uma lista de verificação, certo? Quando vou ao mercado, não quero ter um modelo mental compartilhado com o caixa, com a minha esposa ou com quem quer que seja. Só quero olhar para a lista e me lembrar de comprar berinjela ou qualquer outra coisa. Sinto que isso é o que precisamos fazer no cuidado de saúde agora. Já percebemos a importância do trabalho em equipe e da comunicação. Talvez agora devamos realmente abraçar essas ideias e pensar em quais intervenções poderão melhorar profundamente esses tipos de comportamentos, para que outras intervenções mais concretas possam funcionar.

RW: Um dos momentos mais baixos da área de segurança foi a publicação do estudo Landrigan10, que mostrou que nada tinha melhorado numa série de hospitais da Carolina do Norte. Ao longo dos últimos anos, outros estudos demonstraram ao menos algumas evidências de melhoria. Como você pensa que está a situação agora?

KS: Penso que estamos vendo as limitações11 de utilizar a ocorrência de eventos adversos como um indicador. Charles Vincent12 tem escrito sobre isso ultimamente, assim como Eric Thomas13. Eu também acabo de escrever um artigo sobre isso, junto com um colega. As taxas de eventos adversos lançaram a área da segurança do paciente e não consigo pensar num indicador melhor naqueles primeiros tempos. Em algumas áreas nas quais ainda não fizemos nenhum trabalho, ainda faz sentido usar os eventos adversos como o indicador principal. Alguns anos atrás, o BMJ Quality & Safety publicou um estudo sobre eventos adversos na atenção domiciliar14. Foi publicado um estudo sobre eventos adversos pediátricos15 há 4 ou 5 anos. Esses estudos nos dão um panorama geral da situação, mas não nos permitem avaliar muito bem o progresso realizado. O motivo é que a taxa de eventos adversos é um indicador muito heterogêneo. Essencialmente, tudo o que esses eventos têm em comum é o fato de serem lesões ou danos causados pelo cuidado de saúde. Portanto, temos problemas cirúrgicos, problemas com a medicação, problemas de diagnóstico, infecções e assim por diante. Nem todo evento adverso evitável ligado à medicação estará relacionado à prescrição, à administração ou à dispensação. Estamos medindo uma mistura heterogênea de resultados que não serão abordados pelas mesmas intervenções. Poderíamos investir anos para implementar um sistema de prescrição eletrônica e talvez provocar uma redução nos eventos adversos evitáveis relacionados a medicamentos. Mas ainda restariam todos os outros problemas ligados à medicação e centenas de problemas relacionados a outras áreas. Essa melhora nos eventos adversos evitáveis relacionados a medicamentos pode simplesmente não ser detectada num estudo amplo que avalie todos os eventos adversos. Portanto, mesmo que a taxa de eventos adversos seja considerada o padrão-ouro, trata-se de um padrão-ouro abaixo do ideal.

Uma vez que sabemos bem quais são os problemas, faz mais sentido medir esses problemas especificamente. Portanto, se fizermos algo para melhorar especificamente os erros ligados à segurança da prescrição de medicamentos, obviamente é isso que devemos medir. Se implementarmos um conjunto de medidas para prevenção de infecção de corrente sanguínea relacionada ao uso de cateter venoso central, é isso que devemos medir. Se buscamos melhorias, precisamos de resultados ligados a elas — não podemos medir simplesmente um indicador genérico como a taxa de eventos adversos. Dito isto, uma outra explicação para o estudo de Chris Landrigan e outros semelhantes é que a maioria dos hospitais não tem implementado muitas intervenções efetivas. Na verdade, teria sido uma grande surpresa se os estudos tivessem mostrado alguma melhoria. Mas agora também estamos vendo que, mesmo nos ambientes onde parece ter havido melhorias razoáveis, elas provavelmente não serão detectadas com a ferramenta de rastreamento, nem mesmo com sua versão mais orientada pela pesquisa, utilizada no clássico estudo do Harvard Medical Practice16 sobre eventos adversos.

RW: E como saber se isso não é simplesmente um efeito da nossa própria frustração, que nos leva a dizer que esses indicadores, que anteriormente dizíamos ser excelentes, não são bons o suficiente porque não estão detectando as melhorias que temos certeza que estamos implementando?

KS: Se você acha que fez alguma melhoria importante na segurança de medicamentos — implementou códigos de barras num ótimo sistema de prescrição eletrônica com apoio à decisão —, seria loucura fazer um estudo para avaliar os eventos adversos. Seria uma perda de tempo. Ele certamente não seria sensível o suficiente e é possível que nem mesmo tivesse boa especificidade. Portanto, o que temos que fazer é, por exemplo, trabalhar com danos bem definidos ligados à medicação — danos por opiáceos, danos por hemorragia, este ou aquele tipo de dano. E assim a coisa fica mais parecida com a pesquisa clínica regular. Na pesquisa clínica, não usamos indicadores genéricos da saúde do coração. Em algum momento começamos a falar de IAMs, ou de internações hospitalares por insuficiência cardíaca. É aí que podemos encontrar provas concretas do progresso realizado. E esses indicadores são significativos para os pacientes e para os profissionais, que se identificam com as melhorias realizadas. Penso que isso faz mais sentido para documentar o progresso.

RW: Quando tudo isto começou, o mundo do cuidado clínico utilizava documentos em papel, assim como o mundo das evidências. Atualmente, ambos são eletrônicos. De que maneira a informatização da literatura e a capacidade de coletar dados eletronicamente alteraram a natureza da pesquisa em segurança do paciente?

KS: Nos últimos 15 ou 20 anos, muita coisa aconteceu na pesquisa em geral e na difusão eletrônica em particular. Eu diria, como editor de periódico, que as redes sociais tiveram um impacto palpável sobre a difusão da pesquisa. As estratégias eletrônicas criaram um grupo maior de pessoas capazes de acompanhar o que acontece.

O PSNet é um grande exemplo, certo? Pense em todas as pessoas que recebem e-mails semanais do MyPSNet. É um grupo muito diferente de pessoas do que as que anteriormente teriam que peregrinar para buscar seus periódicos preferidos, ou os mais relevantes para sua área, que só tinham uma vaga ideia do que estava sendo publicado e que talvez nem chegassem a ler tudo aquilo. Numa área como a segurança do paciente, é particularmente importante encontrar uma maneira mais fácil de difundir as informações. Eu sei que uma das razões que fizeram você lançar o PSNet foi o fato de ser uma área muito heterogênea, o que impedia as pessoas de acompanhar tudo o que era publicado. Se imaginarmos o mais dedicado dos acadêmicos de 20 anos atrás, ele talvez acompanhasse 5 a 10 periódicos. Mas como alguém poderia acompanhar a área da segurança do paciente?  Temos um pouco de tudo, desde o Harvard Business Review até os grandes periódicos clínicos, passando por revistas de pesquisa em serviços de saúde, periódicos sobre segurança e qualidade, enfermagem, farmácia, direito.

A possibilidade de que alguém consiga se manter atualizado em segurança do paciente é muito pequena. Não só do ponto de vista do volume, mas também devido ao grande número de fontes de informação potencialmente interessantes: sociologia, ciência, medicina, todo tipo de fonte diferente. Um serviço como este não poderia ser tão eficaz há 20 anos. Mas agora todo mundo está conectado de várias maneiras — redes sociais, o e-mail tradicional, os feeds RSS —, o que funciona muito bem para uma área como a segurança do paciente. Especialmente com uma fonte como o PSNet, que agrega informações sobre segurança do paciente de onde quer que elas venham.

RW: Quando você fala com seus estagiários e tenta lhes dar dicas sobre como acompanhar a literatura, existe algo de particularmente útil que você tenha descoberto ao longo dos anos?

KS: Bem, para falar a verdade, e não estou dizendo isso só por você trabalhar onde trabalha, não há nenhuma razão para não usar o PSNet. A maior parte dos estagiários já sabe melhor do que eu como acompanhar várias fontes eletrônicas, embora eu também não me considere muito enferrujado. Mas sinto que, no caso da segurança do paciente, o componente humano é particularmente importante. Eu já fiz muitas pesquisas na literatura e revisões sistemáticas e sou bastante competente nisso. Se quero saber se saiu algo novo sobre tromboembolismo venoso, posso facilmente criar um alerta automático sobre o tema.

Mas é bem difícil criar um alerta automático para toda a segurança do paciente. São informações demais, até mesmo numa base semanal ou quinzenal. A triagem humana que é feita num serviço como o PSNet é fundamental. Por isso eu recomendo uma combinação entre encontrar a fonte secundária adequada — neste caso, o PSNet — e seguir certas pessoas no Twitter.


Referências

[1] So what? Now what? Exploring, understanding and using the epistemologies that inform the improvement of healthcare. Paul Batalden, Frank Davidoff, Martin Marshall, Jo Bibby, Colin Pink. BMJ Qual Saf 2011;20:Suppl 1 i99-i105 doi:10.1136/bmjqs.2011.051698 (acesso livre). Disponível em: http://qualitysafety.bmj.com/content/20/Suppl_1/i99

[2] Controversy in the detection of disease. David L Sackett, Walter W Holland. The Lancet, Volume 306, Issue 7930, pages 357-359 doi:10.1016/S0140-6736(75)92790-7. Disponível em: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0140673675927907

[3] To Err Is Human: Building a Safer Health System. Kohn L, Corrigan J, Donaldson M, eds. Washington, DC: Committee on Quality of Health Care in America, Institute of Medicine. National Academies Press; 1999. ISBN: 9780309068376 Disponível em: https://psnet.ahrq.gov/resources/resource/1579

[4] Patient safety strategies targeted at diagnostic errors: a systematic review. McDonald KM, Matesic B, Contopoulos-Ioannidis DG, et al. Ann Intern Med. 2013;158(5 Pt 2):381-389. Disponível em: https://psnet.ahrq.gov/resources/resource/25789

[5] Effects of extended-release metoprolol succinate in patients undergoing non-cardiac surgery (POISE trial): a randomised controlled trial. POISE Study Group‡ Volume 371, Issue 9627, 31 May–6 June 2008, Pages 1839–1847, doi:10.1016/S0140-6736(08)60601-7 Disponível em: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0140673608606017

[6] Medication reconciliation during transitions of care as a patient safety strategy: a systematic review. Kwan JL, Lo L, Sampson M, Shojania KG. Ann Intern Med. 2013;158(5 Pt 2):397-403. 25827 Disponível em: https://psnet.ahrq.gov/resources/resource/25827

[7] Understanding Patient Safety, Second Edition. Wachter RM. New York, NY: McGraw-Hill Professional; 2012. ISBN: 9780071765787. Disponivel em: https://psnet.ahrq.gov/resources/resource/24508

[8] In Conversation with...Peter J. Pronovost, MD, PhD. Perspectives on Safety Published October 2010. PSNET/AHRQ. Disponível em: https://psnet.ahrq.gov/perspectives/perspective/91

[9] The problem with checklists. Catchpole K, Russ S. BMJ Qual Saf. 2015;24:545-549 Disponível em: https://psnet.ahrq.gov/resources/resource/29140

[10] Temporal trends in rates of patient harm resulting from medical care. Landrigan CP, Parry GJ, Bones CB, Hackbarth AD, Goldmann DA, Sharek PJ. N Engl J Med. 2010;363:2124-2134. Disponível em: https://psnet.ahrq.gov/resources/resource/19826

[11] How effective are patient safety initiatives? A retrospective patient record review study of changes to patient safety over time. Baines R, Langelaan M, de Bruijne M, Spreeuwenberg P, Wagner C. BMJ Qual Saf. 2015;24:561-571. Disponível em: https://psnet.ahrq.gov/resources/resource/29189

[12] Safety in healthcare is a moving target. Charles Vincent, Rene Amalberti. BMJ Qual Saf 2015;24:539-540 doi:10.1136/bmjqs-2015-004403 (Acesso livre) Disponível em: http://qualitysafety.bmj.com/content/24/9/539.full.pdf+html

[13] Patient safety: let's measure what matters. Thomas EJ, Classen DC. Ann Intern Med. 2014;160:642-643. Disponível em: https://psnet.ahrq.gov/resources/resource/27969

[14] Assessing adverse events among home care clients in three Canadian provinces using chart review.Blais R, Sears NA, Doran D, Baker GR, Macdonald M, Mitchell L, Thalès S. BMJ Qual Saf. 2013;22:989-997. Disponível em: https://psnet.ahrq.gov/resources/resource/27074

[15] Adverse events among children in Canadian hospitals: the Canadian Paediatric Adverse Events Study. Matlow AG, Baker GR, Flintoft V, et al. CMAJ. 2012;184:E709-E718. Disponível em: https://psnet.ahrq.gov/resources/resource/24905

[16] Incidence of adverse events and negligence in hospitalized patients. Results of the Harvard Medical Practice Study I. Brennan TA, Leape LL, Laird NM, et al. N Engl J Med. 1991;324:370-376. Disponível em: https://psnet.ahrq.gov/resources/resource/1545

Idioma do conteúdo: 
País de publicação: 
Estados Unidos
Data de publicação: 
2015
Nota geral: 
Este texto foi originalmente escrito em inglês. A AHRQ/PSNET permitiu a tradução deste artigo e cedeu os direitos de publicação ao Proqualis/Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde/Fiocruz, único responsável pela edição em português. A AHRQ/PSNET não se responsabiliza pela acurácia das informações e por perdas ou danos decorrentes da utilização desta versão. Título original: In conversation with Kaveh Shojania, MD [interview]. AHRQ PSNet [serial online]. November 2015. Disponível no link: https://psnet.ahrq.gov/perspectives/perspective/184#