Avanços e desafios da prevenção de quedas no ambiente hospitalar

Autor pessoal: 
Annalu Pinto da Silva;
Resumo: 

As quedas são a segunda causa de morte por lesão acidental ou não intencional, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). Mas o que se tem feito para prevenir a ocorrência desse tipo de evento no ambiente hospitalar? Quais são os desafios enfrentados por profissionais de saúde, pacientes e familiares nesse aspecto? Para responder essas perguntas, Proqualis conversou com a estudiosa em prevenção de quedas Janete de Souza Urbanetto, professora do Curso de Enfermagem e coordenadora do Laboratório de Simulação Realística em Enfermagem da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).

Proqualis: Qual a importância da prevenção de quedas no ambiente hospitalar e qual o cenário atual em relação a essas ocorrências?

Janete Urbanetto: A queda, de forma geral, é um dos eventos de maior preocupação mundial, uma vez que, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), é a segunda causa de morte por lesão acidental ou não intencional. Segundo dados publicados em janeiro de 2018 na página da OMS, em torno de 646 mil pessoas morrem em função de quedas, com uma concentração em pessoas com 65 anos ou mais, e estimam-se mais de 17 milhões de anos de vida saudável perdidos por causa da queda.

Apesar dos dados alarmantes, muito já se avançou no Brasil no sentido de entender que os pacientes caem enquanto estão sob a assistência em saúde. As iniciativas para ampliar a segurança nessa temática são impulsionadas pelo Ministério da Saúde, instituições de saúde, trabalhadores e pelo próprio paciente e seu acompanhante. Hoje, muitas instituições já controlam indicadores de risco de quedas e de prevalência de quedas, compondo um arcabouço de conhecimento que, aos poucos, está mudando a percepção das inseguranças e das próprias consequências (danos) oriundas desse evento.

Outro aspecto de suma importância é o entendimento de que os danos psicológicos, como o medo de cair novamente, e os danos sociais, como o afastamento do trabalho ou lazer, estão tão vinculados à queda quanto os danos físicos, como as escoriações e fraturas, por exemplo. Com esse entendimento crescente, passamos a desenvolver habilidades e competências que têm reduzido a incidência de quedas e de danos, sejam eles leves, moderados, graves ou óbitos.

No entanto, os desafios ainda são imensos. Apesar dos avanços, ainda existe uma grande parcela de banalização desse incidente de segurança pelos profissionais, pacientes e seus acompanhantes e pelas instituições de saúde.

Proqualis: O que pode ser feito para melhorar esse quadro?

Janete Urbanetto: Algumas considerações acerca das barreiras para a efetividade das ações de prevenção da queda nos ambientes hospitalares são primordiais, no meu ponto de vista.

A primeira é o entendimento da definição da queda em sua magnitude. Muitas pessoas entendem que a queda ocorre somente quando, associada a ela, ocorrem danos físicos, como hematomas, escoriações e fraturas, por exemplo. Muitas quedas não são notificadas porque não se identificou um dano físico na pessoa que caiu. Essa pode ser a falha maior na prevenção de quedas, pois quase todos os estudos de relevância acerca da queda apontam que as chances de cair novamente aumentam de forma significativa para a pessoa que já teve uma ou mais quedas, ou seja, a pessoa que tem um histórico de quedas.

A OMS conceitua a queda como o evento em que a pessoa “inadvertidamente cai ao solo ou níveis inferiores, excluindo mudança intencional da posição para repouso na mobília, parede ou outros objetos”. Portanto, se a pessoa ‘quase caiu’, mas alguém a apoiou ou ela se ampara em uma parede ou mobília, ela teve uma queda, somente não chegou até o chão. A identificação do contexto (seja por fatores intrínsecos, extrínsecos ou comportamentais da pessoa) que envolveu esse incidente pode direcionar as ações para que a pessoa não venha a cair em outra oportunidade.

Outro ponto é o conhecimento do tipo de queda. Acho muito interessante a definição dos três tipos de quedas apontados por Janice Morse (2009), para que entendamos que existe uma grande parcela das quedas que podem ser evitadas por meio da antecipação da identificação do risco. Em seus estudos, Morse definiu que as Quedas Fisiológicas Antecipadas podem ser previstas em 78% dos casos, por meio da avaliação do risco com aplicação de escalas para esse fim (em seu estudo foi aplicada a Morse Fall Scale); as Quedas Fisiológicas Não Antecipadas são aquelas que ocorrem com pacientes que, quando avaliados, não possuíam um risco de queda ou tinham risco baixo, mas, por alterações agudas geradas nos casos de convulsões, desmaios, hipotensão postural ou uma fratura patológica do quadril, elas podem acontecer; e as Quedas Acidentais são causadas principalmente por fatores ambientais, como a presença de água no chão, que provoca um escorregão.

Dessa forma, podemos não conseguir zerar as quedas em nossas instituições, mas temos como preveni-las em torno de 80%. O aspecto mais importante da prevenção das quedas é a antecipação de seu acontecimento pela avaliação dos riscos e pelo estabelecimento de medidas preventivas.

Um terceiro ponto importante é o uso de escalas para avaliação do risco. Cada vez mais são inseridas, no cotidiano dos profissionais, medições de riscos por meio de escalas, por exemplo, as versões brasileiras da Morse Fall Scale (Urbanetto et al, 2013; Urbanetto et al, 2016) e da Johns Hopkins Fall Risk Assessment Tool (Martinez et al, 2016). Por um lado, isso estimula a avaliação objetiva, qualificada e com possibilidade de fomentar a criação de estratégicas para a prevenção dos incidentes de segurança.  Por outro, quando não são bem conduzidas, podem trazer avaliações superficiais, equivocadas e de baixo valor no planejamento das ações. Refiro-me ao uso de escalas de medida sem a análise dos seus resultados ou com o objetivo único de cumprimento de normas. A imposição de aplicação de uma grande variedade de escalas, ou mesmo de uma única sem feedback da sua repercussão, pode levar à banalização, quando o profissional se pergunta “para que serve preencher esta ficha ou sistema se somente é usado para compor um resultado de indicador?”

Outro aspecto refere-se ao entendimento dos itens da escala. É importante a realização de oficinas que possam fomentar o desenvolvimento de competências e habilidades para a sua aplicação. É necessário saber como a escala foi construída e adaptada para o uso no Brasil. Além disso, os profissionais que a aplicam não podem criar entendimentos próprios, e sim seguir rigorosamente as definições operacionais sinalizadas pelos autores.

Por fim, é preciso diminuir a lacuna entre a existência e o conhecimento dos fatores de risco. A expressão “invisibilidade perceptiva do risco” foi apontada por Peres (2010) referindo-se a pesquisas na área da saúde. Quando questionamos pacientes e até mesmo profissionais acerca das quedas, a maioria se refere a esse evento como de pequena importância, a não ser aqueles que já o vivenciaram ou que já possuem estratégias bem definidas quanto a indicadores e análises relacionadas ao evento.

Sabe-se da multifatorialidade relacionadas às quedas, principalmente na população idosa, onde a queda é o grande causador de um dos sete gigantes da Geriatria, a imobilidade. A existência de múltiplos fatores faz com que os protocolos ou diretrizes estabeleçam listas longas de fatores causais, que acabam por minimizar e/ou banalizar os fatores realmente preditivos da queda. Por exemplo, o protocolo de prevenção de quedas publicado pelo Ministério da Saúde estabelece um total de 42 fatores e o Diagnóstico de Enfermagem da NANDA-I estabelece 39 fatores de risco de quedas. Muito facilmente uma pessoa pode estar classificada em situação de risco de queda por essas metodologias, o que pode levar a uma descrença dos profissionais, já que “todos têm risco de cair”, e, assim, deixemos de priorizar o planejamento para os pacientes com risco real de quedas.

Proqualis: O que se tem feito para evitar quedas no ambiente hospitalar?

Janete Urbanetto: As barreiras apontadas também podem ser vistas como possibilidades de aprimoramentos e são de grande valia para a prevenção desse tipo de evento. Cada vez mais tem-se refletido acerca desse incidente de segurança, têm sido criadas estratégias de notificação, investigação e mitigação de incidentes ou eventos adversos e, com certeza, tem-se minimizado os fatores de risco durante a hospitalização. A recomendação é a de utilizar uma escala que possa ser aplicável e entendida de forma clara por profissionais e pacientes e que se estabeleçam estratégias muito bem definidas de prevenção, principalmente para os pacientes de risco elevado para quedas. 

Protocolos multiprofissionais são os mais eficazes, com estratégias definidas por todos os atores no cenário da saúde, incluindo o paciente e seu acompanhante. Como exemplo, podemos citar: o olhar integrado da enfermagem, farmácia e medicina quanto à prescrição, ao preparo e à administração de medicamentos de risco para quedas, como os que compõem a Medication Fall Risk (Beasley, 2009), que levam à redução da capacidade de tomada de decisão, do equilíbrio e da função cognitiva do paciente; ações integradas com a psicologia na discussão de estratégias para o entendimento da limitação da capacidade de caminhar daqueles pacientes que superestimam essa capacidade; ações do assistente social na intermediação da presença de um familiar ou outro acompanhante para aqueles pacientes que necessitam de vigilância permanente; atuação do fisioterapeuta e do nutricionista nas ações de preservação e recuperação da funcionalidade, força e equilíbrio do paciente, entre outras tantas ações interligadas possíveis.

Também há de se considerar que a pesquisa nos ambientes hospitalares tem mobilizado uma busca por mudanças, uma vez que, mais do que fazer um diagnóstico situacional, tem contribuído para a construção de protocolos integrados e para o efeito Hawthorne frente às atitudes de profissionais e pacientes, auxiliando na ampliação de ambientes seguros no âmbito hospitalar.

A professora disponibilizou uma lista de referências em que se basearam suas respostas para esta entrevista.

Referências:
Beasley B, Patatanian E. Development and implementation of a pharmacy fall prevention program. Hosp Pharm, 2009; 44(12):1095-1102.

Morse  J. Preventing patient falls.  2 ed. Thosand Oaks, California: Sage; 2009.

World Health Organization. Falls. Janeiro 2018. [Acesso18 jun 18]. Disponível em: http://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/falls.

Martinez MC, Iwamoto VE, Latorre MRDO, Noronha AM, Oliveira APS, Cardoso CEA, et al.  Adaptação transcultural da Johns Hopkins Fall Risk Assessment Tool para avaliação do risco de quedas. Rev. Latino-Am. Enfermagem, 2016; 24: e2783.

NANDA Internacional. Diagnósticos de enfermagem da NANDA – definições e classificação 2015-2017. Porto Alegre, ARTMED: 2015.

Peres F. Onde mora o perigo? Percepção de riscos, ambiente e saúde. In: Minayo M, Miranda A (organizadores). Saúde e ambiente sustentável estreitando nós. 2a ed. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2010. p. 135-142. 

Urbanetto JS, Creutzberg M, Franz F, Ojeda BS, Gustavo AS, Bittencourt HR, Steinmetz QL, Farina VA. Morse Fall Scale: tradução e adaptação transcultural para a língua portuguesa. Rev. esc. Enferm USP, 2013, 43(3): 569-75.

Urbanetto JS, Pasa TS, Bittencourt HR, Franz F, Rosa VPP, Magnago TSBS. Análise da capacidade de predição de risco e validade da Morse Fall Scale versão brasileira. Rev. Gaúcha Enferm. Dezembro 2016; 37(4): e62200.

Idioma do conteúdo: 
Cidade de publicação: 
Rio de janeiro
País de publicação: 
Brasil
Data de publicação: 
2018