Mortalidade hospitalar de pacientes com COVID-19 no Brasil de 2020 a 2022: um estudo transversal baseado em dados secundários
Resumo
Contexto: No Brasil, a pandemia de COVID-19 foi enfrentada por um Sistema Único de Saúde (SUS) universal e público, que contava com problemas acumulados ao longo do tempo, devido, entre outras razões, a baixos investimentos e disparidades na distribuição de recursos. A preparação e a capacidade de resposta do sistema de saúde, incluindo o SUS e o setor privado, foram afetadas por grandes desigualdades socioeconômicas e no acesso aos cuidados de saúde. Este trabalho tem como objetivo apresentar um panorama da mortalidade hospitalar de pacientes com COVID-19 durante a pandemia no Brasil, explorando os fatores associados às variações na mortalidade e, especificamente, as diferenças entre unidades hospitalares públicas, privadas (com fins lucrativos) e filantrópicas (privadas sem fins lucrativos), que prestam ou não serviços para o SUS.
Métodos: Este estudo transversal utilizou dados secundários disponíveis publicamente. A principal fonte de dados foi o SIVEP-Gripe, que contém dados sobre a ocorrência de doenças respiratórias agudas graves coletados prospectivamente. Também utilizamos o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde, o Sistema de Informações Hospitalares do SUS e dados municipais do IBGE. Consideramos as internações de adultos por COVID-19 registradas no SIVEP-Gripe de fevereiro de 2020 a dezembro de 2022 em unidades hospitalares com pelo menos 100 casos no período. A análise dos dados explorou a mortalidade de pacientes internados, empregando modelos lineares mistos gerais para identificar os efeitos das características dos pacientes, dos processos de saúde, das unidades de saúde e dos municípios sobre a mortalidade.
Resultados: Cerca de 70% das hospitalizações por COVID-19 no Brasil foram cobertas pelo SUS, que atendeu os grupos populacionais mais vulneráveis e apresentou pior mortalidade hospitalar. Em geral, os hospitais privados e filantrópicos não pertencentes ao SUS, em sua maioria reembolsados por planos de saúde acessíveis às classes socioeconômicas mais privilegiadas, apresentaram os melhores resultados. O Sul do Brasil teve o melhor desempenho entre as macrorregiões. Pessoas negras e indígenas, residentes de municípios com menor IDH e pacientes hospitalizados fora de sua cidade de residência apresentaram maior mortalidade hospitalar. Além disso, as taxas de mortalidade hospitalar ajustadas foram mais altas nos picos da pandemia e diminuíram significativamente depois que a vacinação contra COVID-19 atingiu uma cobertura razoável, a partir de julho de 2021.
Conclusões: A pandemia de COVID-19 expôs as desigualdades socioeconômicas e de saúde no Brasil, bem como a importância e as deficiências do SUS. Este trabalho indica a necessidade de reverter a tendência de desinvestimento no sistema público e universal de saúde, uma política fundamental para reduzir as iniquidades no país.
Abstract
Background In Brazil, the COVID-19 pandemic found the universal and public Unifed Health System (SUS) with problems accumulated over time, due, among other reasons, to low investments, and disparities in resource distribution. The preparedness and response of the healthcare system, involving the SUS and a private sector, was afected by large socioeconomic and healthcare access inequities. This work was aimed at ofering an overview of COVID-19 inpatient mortality during the pandemic in Brazil, exploring factors associated with its variations and, specifcally, diferences across public, private (for-proft) and philanthropic (private non-proft) inpatient healthcare units, providers, and non-providers of services to the SUS.
Methods This cross-sectional study used public secondary data. The main data source was the SIVEP-Gripe, which comprises data on severe acute respiratory illness records prospectively collected. We also employed the National Record of Health Establishments, the SUS’ Hospitalization Information System and municipalities’ data from IBGE. We considered adult COVID-19 hospitalizations registered in SIVEP-Gripe from February 2020 to December 2022 in inpatient healthcare units with a minimum of 100 cases in the period. Data analyses explored the occurrence of inpatient mortality, employing general linear mixed models to identify the efects of patients’, health care processes’, healthcare units’ and municipalities’ characteristics on it.
Results About 70% of the COVID-19 hospitalizations in Brazil were covered by the SUS, which attended the more vulnerable population groups and had worse inpatient mortality. In general, non-SUS private and philanthropic hospitals, mostly reimbursed by healthcare insurance plans accessible for more privileged socioeconomic classes, presented the best outcomes. Southern Brazil had the best performance among the macro-regions. Black and indigenous individuals, residents of lower HDI municipalities, and those hospitalized out of their residence city presented higher odds of inpatient mortality. Moreover, adjusted inpatient mortality rates were higher in the pandemic peak moments and were signifcantly reduced after COVID-19 vaccination reaching a reasonable coverage, from July 2021.
Conclusions COVID-19 exposed socioeconomic and healthcare inequalities and the importance and weaknesses of SUS in Brazil. This work indicates the need to revert the disinvestment in the universal public system, a fundamental policy for reduction of inequities in the country.