Identificação rápida da sepse e tratamento imediato e adequado são o diferencial para a sobrevida do paciente

Por Isis Breves | Publicado em 10 de junho de 2015

No final de 2014, uma jornalista de apenas 32 anos perdeu sua vida após a evolução de uma infecção urinária para sepse grave. Foram 15 dias desde seu primeiro atendimento em um hospital privado da zona leste de São Paulo, com uma dor abdominal, até sua morte. De uma infecção urinária não tratada adequadamente, seu diagnóstico evoluiu para uma infecção nos rins (pielonefrite). Mesmo com o uso de antibióticos, após uma semana ainda com febre e dores, a paciente foi internada na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Na UTI, a equipe de saúde fez uso venoso de medicação antibacteriana, mas a infecção já tinha evoluído para uma infecção generalizada, e a paciente não resistiu. Infelizmente, casos como o dessa jovem ainda configuram o cenário hospitalar brasileiro, mesmo já havendo evidências em todo o mundo de que a sepse deva ser identificada rapidamente e o seu manejo deva ser feito nas primeiras horas do diagnóstico.

“Ainda temos muito em que avançar no Brasil. A taxa de mortalidade de pacientes internados em UTIs por causa da sepse é de 50% a 60% e, comparativamente com países desenvolvidos, como EUA e Canadá, a taxa varia em torno de 20%. As medidas são simples. Estudos mostram que a identificação precoce através de sinais de alerta, como febre, hipotermia, aceleração da respiração, sonolência, hipotensão e confusão mental, e o início de tratamento em até uma hora da identificação com antibiótico adequado e hidratação com soro fazem a diferença na sobrevida desse paciente”, explica Fernando Bozza, médico e pesquisador da Fiocruz, que atua na Chefia do Laboratório de Pesquisa Clínica em Medicina Intensiva do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz), coordena pesquisas no Instituto D’Or de Pesquisas e Ensino (IDOR) e na Rede Brasileira de Pesquisa em Medicina Intensiva (BRICNet) e é membro do Conselho do Instituto Latino Americano da Sepse (ILAS). Suas principais linhas de pesquisas incluem a sepse e a inflamação sistêmica.

A sepse tem origem a partir de causas diferentes: a sepse comunitária tem como causa as infecções comunitárias, como pneumonias e infecções do trato urinário; a sepse hospitalar é causada por uma infecção hospitalar, geralmente proveniente de procedimentos cirúrgicos, intubação, uso de cateter e ventilação mecânica. “A sepse comunitária atinge em maior número crianças e idosos e é causada pela evolução de uma pneumonia. Muitas vezes, quadros de uma gripe não tratada adequadamente evoluem para pneumonia. O caso da jornalista que morreu devido a uma sepse de origem urinária mostra que a sepse comunitária é uma causa importante de atenção dos profissionais que realizam o primeiro atendimento nas emergências ambulatoriais. Já a sepse hospitalar dá-se devido à falta de controle da infecção hospitalar, de um controle efetivo da circulação de bactérias resistentes no ambiente hospitalar, através de medidas preventivas instituídas pelas comissões de infecções hospitalares. Em ambas as causas da sepse, há de se instituir protocolos assistenciais de qualidade do cuidado e segurança do paciente que incluam a identificação rápida da sepse e o tratamento adequado. Além disso, é necessário o treinamento dos profissionais de saúde para implementação do protocolo em suas rotinas. A aplicação dos protocolos, que são medidas simples e de consenso internacional, aliada a campanhas de prevenção da infecção hospitalar, é o que irá mudar esse cenário de alta mortalidade por causa da sepse nos hospitais brasileiros”, alerta Dr. Bozza.

A identificação rápida da sepse e o uso de antimicrobianos específicos na primeira hora, logo após o diagnóstico, são medidas de manejo da infecção que possibilitam a sobrevivência do paciente. Porém, para que a identificação seja precoce e o tratamento seja adequado, é fundamental a aplicação efetiva dos protocolos da sepse e o treinamento dos profissionais de saúde.  O Hospital do Coração (HCor) de São Paulo implementou em sua rotina, desde 2014, protocolos de medidas de prevenção, detecção precoce e tratamento da sepse, baseados na Campanha Sobrevivendo à Sepse do Instituto Latino Americano de Sepse (ILAS).
    
Segundo o médico intensivista Alexandre Biasi, coordenador de Atividades de Pesquisa do Instituto de Ensino e Pesquisa do HCor e  coordenador da Rede de Pesquisa da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB-Net), “para implementar os protocolos da sepse, os profissionais de saúde do hospital participaram de um treinamento coordenado pelo ILAS, envolvendo todas as áreas do HCor, representantes da emergência, da UTI, da Farmácia, do Laboratório, pois a identificação rápida e o tratamento correto envolve toda a equipe multidisciplinar. O paciente que apresenta os sinais de alerta para a sepse deve receber o tratamento em até uma hora após a identificação desses sinais; portanto, os médicos e enfermeiros devem estar atentos à observação desses sinais, os profissionais da coleta de exames laboratoriais devem dar prioridade na entrega do resultado dos exames e a Farmácia deve realizar a dispensação rápida e correta da medicação. No HCor, identificamos o paciente da enfermaria com suspeita de sepse com um código amarelo, que representa que esse paciente não pode esperar, tem prioridade de atendimento e receberá tratamento específico imediatamente. São medidas simples, mas que precisam fazer parte da rotina do hospital, através de campanhas de sensibilização para aplicação dos protocolos e envolvimento da gestão do hospital”.
    
Dr. Biasi lidera a pesquisa “Checklist – ICU Trial”, que envolveu 14 mil pacientes de 118 UTIs de hospitais privados e públicos para verificar se a implementação da intervenção, que inclui a utilização de uma lista de verificação [checklist] associada à avaliação de metas assistenciais diárias durante a visita multiprofissional e alertas clínicos, pode reduzir a mortalidade de pacientes internados em unidade de terapia intensiva adulto. “É um estudo que ainda está em fase de compilação dos resultados, mas eu posso afirmar que, a partir destes, poderemos entender a situação dos pacientes graves dos hospitais brasileiros e se a implantação da lista de verificação e checagem das metas diárias influencia na evolução clínica do paciente internado em UTI. Uma das metas desta lista de verificação é observar se há critério de sepse grave. A sepse é uma das maiores causas de mortes de pacientes internados em UTI. No HCor, quando um paciente está internado com diagnóstico de sepse, ele recebe acompanhamento e monitoramento de seus sinais vitais diariamente por um profissional de enfermagem exclusivamente designado para atendê-lo. Essa é uma das medidas do protocolo de sepse do hospital”, relata Dr. Biasi.
    
Entenda como se deu a implementação da Campanha Sobrevivendo à Sepse no HCor

1.    Criação da Comissão de Sepse do HCor.
2.    Elaboração de protocolo de tratamento.
3.    Definição das estratégias de ação segundo os diversos locais de atendimento.
4.    Elaboração do guia de antibioticoterapia empírica.
5.    Adequação da rotina de dispensação da primeira dose de antibiótico.
6.    Adequação dos setores para atendimento ao paciente grave.
7.    Adequação do banco de sangue para fornecimento adequado.
8.    Rotina de priorização no atendimento em centro cirúrgico.
9.    Delineamento da estratégia de coleta de dados.
10.    Definição e treinamento do profissional responsável pela coleta de dados variável.

“A sepse deve ser investigada em todos os pacientes com quadro infeccioso. No HCor, a equipe multidisciplinar foi treinada para estar atenta à presença dos critérios de resposta da sepse, de acordo com nosso protocolo de tratamento. Este protocolo é baseado nas evidências internacionais de controle e prevenção da infecção e apresenta como sinais para a identificação da sepse: febre de temperatura maior que 38°C e menor que 36°C, frequência cardíaca maior que 90 batimentos por minuto, frequência respiratória maior que 20rpm, taxa de leucócitos totais maior que 12.000/mm³ ou menor que 4.000/mm³ ou presença de mais de 10% de formas jovens. Na presença destes sinais, de suspeita de foco infeccioso e de sinais de alteração da função de um ou mais órgãos, temos uma hora para administração da 1º dose da medicação. Evidências mostram que a cada hora que passa sem o paciente ser submetido ao tratamento adequado menores são as chances de sobrevivência do paciente”, afirma Dr. Biasi.

Dados sobre sepse no Brasil

  • 30% dos pacientes internados em UTIs brasileiras têm como causa da internação a sepse grave;
  • Em torno de 50% a 60% dos pacientes internados com sepse em UTIs brasileiras morrem;
  • Estima-se que ocorram 400 mil casos de sepse por ano no Brasil;
  • A sepse não se restringe às UTIs – 50 a 60% dos pacientes com sepse dão entrada nos hospitais via unidades de emergência, 25 a 35% desenvolvem sepse quando estão em unidades de internação regulares e 15 a 20% durante a internação em UTIs.  

Fonte:ILAS (http://www.ilas.org.br)

Saiba mais 

Publicação (e-book) do Conselho Federal de Medicina (CFM) e Ilas: Sepse: um problema de saúde pública 

 

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Medidas simples aliadas ao envolvimento da gestão do hospital podem diminuir a alta mortalidade

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